quarta-feira, 1 de novembro de 2023

5 motivos para ter sido uma medida absolutamente idiota a Ford encerrar a produção de caminhões no Brasil

Um fabricante que já teve posição bastante privilegiada no mercado brasileiro em diferentes segmentos, embora tivesse alguns vícios no âmbito administrativo que culminaram no encerramento da fabricação de veículos no Brasil para concentrar-se na importação, possivelmente cometeu um erro maior parando de produzir caminhões no país. Sob alegações que iam desde uma alegada falta de competitividade até a questão do incremento nos custos para avançar do enquadramento nas normas de emissões Euro-5 para Euro-6, em 2019 a Ford produziu caminhões no Brasil pela última vez, desativando a antiga fábrica em São Bernardo do Campo mas mantendo até o começo de 2021 as fábricas de motores em Taubaté e em Camaçari e de carros e SUVs em Camaçari, além da divisão Troller em Horizonte, perto de Fortaleza. Ao menos 5 motivos me levam a crer que especialmente o encerramento da produção de caminhões foi uma medida absolutamente idiota:

1 - conjuntos mecânicos provenientes de fornecedores terceirizados: destacando um uso de motores Cummins, como o polêmico ISF2.8 usado na F-4000 desde o relançamento em 2014 até 2019 quando o modelo saiu de linha definitivamente, até o argumento em torno de uma suposta dificuldade em adequar a normas de emissões mais rígidas cai por terra, tendo em vista que a própria Cummins já fornecia todo o sistema de pós-tratamento de gases de escape plenamente integrado aos motores. Os câmbios e eixos motrizes também eram fornecidos por terceiros, facilitando ainda mais a operação, e os modelos tinham basicamente uma necessidade de investimento direto menor por parte da Ford comparados aos similares de fabricação americana, ou mesmo turca em que pese a Otosan que administra a operação Ford Trucks na Europa e partes da África e Ásia ter uma certa autonomia perante a Ford no tocante à engenharia. A receptividade do público brasileiro ao outsourcing de motores Diesel, ao que tudo indica em proporção até maior que nos Estados Unidos para o mesmo segmento, também favorecia esse aspecto na operação de caminhões da Ford no Brasil;

2 - força da marca: é inegável que a Ford já foi muito mais apreciada no Brasil de um modo geral, em que pese ter cometido alguns erros principalmente no tocante às linhas de motores para veículos leves e mantido uma defasagem prolongada da Série F perante os congêneres americanos e até argentinos antes dessa linha ter a produção para o Mercosul concentrada no Brasil. E mesmo com a Ford deixando muito a desejar em alguns aspectos como a escassez de opções para o mercado local enquanto eram oferecidas para exportação à Austrália e também à África do Sul, a exemplo da tração 4X4 que a Série F perdeu ao final de '98 para retomar apenas ao final de 2005, ainda era especialmente forte no interior em boa parte por causa da F-4000;

3 - similaridade com o processo de fabricação dos calhambeques: a princípio um caminhão guarda uma certa semelhança com os calhambeques ao manter o uso de um chassi separado da carroceria e a tração traseira por eixo rígido, e o eixo dianteiro tanto nas versões de tração simples quanto nas 4X4 ser predominantemente rígido, e em ambos os casos a suspensão por feixes de molas, bem como o motor na posição dianteira longitudinal. E mesmo que as longarinas dos últimos modelos da Série F nacional já tivessem seção quadrada (boxed) na área do motor, o restante era de seção aberta (C-Channel como se diz nos Estados Unidos), característica que seguia facilitando a implementação a ponto de ainda ser mantida a seção aberta em modelos americanos mais recentes no espaço destinado ao encarroçamento enquanto a seção quadrada passou a abranger também o habitáculo nas versões de chassi e cabine, em que pese as pick-ups já terem as longarinas de seção quadrada por toda a extensão (fully-boxed frame). E a bem da verdade, considerando também os chassis com as longarinas de seção totalmente aberta e perfil reto que ainda eram usados em outros modelos antes da Ford encerrar a fabricação de caminhões no Brasil, a flexibilidade para fazer diferentes variações a um custo relativamente reduzido facilitava o comodismo ao menos enquanto tal configuração permita manter a adequação tanto a normas de emissão de poluentes quanto de segurança. Às vezes, considerando uma histórica indiferença da Ford perante os clientes brasileiros, até me surpreende nunca ter feito nenhuma gambiarra para usar o mesmo chassi das versões menores do Cargo na F-4000 ao invés de ter trazido um chassi idêntico ao americano de '98 na chegada da última geração do modelo;

4 - falta de atenção a alguns segmentos especiais: em que pese a disponibilidade de tração 4X4 para a F-4000 ter proporcionado uma vantagem competitiva à Ford por algum tempo, a empresa foi demasiado acomodada em outros aspectos. Ter parado de comercializar chassis para ônibus em 1999, considerando a prevalência de chassis de motor dianteiro no Brasil que acabam sendo basicamente uma adaptação de chassis de caminhão com alterações na posição de alguns subconjuntos facilitada pelo perfil reto e pela seção aberta das longarinas, foi uma daquelas decisões especialmente estúpidas, à medida que mesmo as cidades que impuseram algumas restrições ao uso de ônibus com motor dianteiro acabaram por ceder ao menos em parte e derrubado ou flexibilizado tais normas. E até a Série F, que ainda tinha apelo tanto junto a operadores estritamente profissionais quanto entre usuários com um perfil mais recreativo, ficou subaproveitada devido à retomada da produção em 2014 somente com a cabine simples, e por nunca ter contado nas versões de fabricação brasileira algumas opções que passaram a ter maior demanda como o câmbio automático;

5 - timing infeliz: tendo em vista o aumento no e-commerce e nos volumes de carga movimentada pelo segmento de logística em reação à crise do coronavírus e aos infames lockdowns cujos efeitos ainda são percebidos em lojas físicas, encerrar em definitivo a produção de caminhões impediu que a Ford tivesse boas oportunidades de negócios que certamente levariam a um incremento na lucratividade da operação de caminhões no Brasil, além do mais considerando que a retomada desse mesmo mercado na Europa Ocidental ainda era algo recente e havia gerado expectativa junto a uma parte do público da marca até no Brasil. A recente concentração de esforços da Ford no mercado de veículos utilitários de modo geral, como caminhonetes e SUVs, também tem um aspecto contraditório com o encerramento da fabricação de caminhões no Brasil.

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