terça-feira, 19 de outubro de 2010

Carroças: crueldade e motivo de vergonha

A mesma Porto Alegre que sediará jogos da Copa do Mundo em 2014 e que terá finalmente uma linha do Aeromóvel em operação comercial para fazer a ligação entre o terminal de passageiros do aeroporto e a estação de metrô mais próxima, distante cerca de 1 quilômetro, ainda contará com as carroças usadas por coletores de material reciclável contribuindo para o caos no trânsito e a poluição do ar (as fezes dos cavalos que ficam apodrecendo a céu aberto nas ruas liberam metano, um gás que agrava mais o efeito-estufa que o CO² emitido por veículos automotores, fora o odor desagradável e a sujeira). Finalmente em 2008 através da Lei Sebastião Melo foi definida uma data para a erradicação das carroças das ruas portoalegrenses, mas apenas em 2018 esse símbolo de atraso será definitivamente banido. É, estamos ficando para trás até do Nordeste, onde a tração animal está cedendo lugar a pequenas motocicletas geralmente financiadas a perder de vista e que, apesar do custo de aquisição mais alto, chega a ser mais econômica que usar um jumento...


Mas o que realmente me incomoda na "tradicional" carroça ainda bastante usada por desempregados para coletar materiais recicláveis é o sofrimento dos cavalos que levam fortes chicotadas enquanto fazem um esforço monumental para mover cargas pesadas e passam horas a fio sem comer nem beber água, enquanto alguns condutores chegam até a consumir bebidas alcoólicas durante o horário em que usam esses precários veículos. É uma condição análoga à escravidão, e eu acredito que alguns animais ditos irracionais como os cavalos e os cães são tão dotados de uma alma quanto seres que se dizem humanos.




Não é apenas em Pelotas que o bem-estar animal vem sendo tratado com descaso. Em 2014 estrangeiros ainda vão levar como lembrança do Rio Grande do Sul a visão da barbárie das carroças.


Durante a noite os problemas causasdos pelas carroças ao trânsito se agravam pela ausência total de sinalização luminosa ou mesmo retroluminescente. É quando acontecem acidentes graves que, além dos prejuízos materiais provocam lesões graves tanto a condutores de veículos motorizados quanto a carroceiros, mas geralmente quem leva a pior é o cavalo.


Alguns falsos humanistas, entretanto, acusam a nós que somos contra o uso das carroças de estarmos querendo tirar a fonte de renda de famílias bastante pobres que tiram a principal parte da renda familiar mensal da coleta de materiais recicláveis com as carroças, outros citam os tropeiros que usavam a tração animal (de forma menos prejudicial à saúde dos animais ao se usar alforjes ou cangalhas para carregar uma quantidade de carga menos absurda que o peso que são obrigados a tracionar nas carroças) e a presença marcante do cavalo no tradicionalismo farroupilha, mas parecem ignorar o fato de que existem souções que poderiam ser implementadas em nome do bem-estar animal. Desde a época em que o ex-prefeito Tarso Genro apresentou o projeto Baby, para substituir as carroças com uma caminhonete bastante rudimentar (ainda assim com um custo elevado que prejudicou a implementação), até as "motorroças" com reboques ou side-cars defendidas pelo Fogaça, propostas para resolver o problema dos animais de tração e dos transtornos ao trânsito são discutidas, mas como acabariam demandando alguma capacitação por parte dos carroceiros (que deveriam obter a carteira de habilitação - apesar de ter sido previsto subsídio governamental para a obtenção desse documento) e difi
cultando o uso de mão-de-obra infantil (não é incomum ver menores conduzindo carroças), foram rejeitadas. Uma das propostas mais viáveis seria, de fato, a das "motorroças" (algumas motocicletas usadas tem preço comparável ao de um cavalo sem registro), mas ao invés de usar side-cars ou reboques eu apostaria no uso de triciclos devido à melhor estabilidade direcional e por ser uma solução já testada e aprovada em Porto Alegre.




A melhor alternativa para substituir as carroças teria que levar em conta um custo reduzido de manutenção, e nesse caso triciclos acabam sendo imbatíveis. Os motores de moto acabam sendo mais econômicos que o uso da tração animal, principalmente nas grandes cidades onde não é tão fácil encontrar áreas para pastagem e a alimentação dos animais com milho moído acaba sendo mais cara que gastos com gasolina/álcool, óleo, pneus, lâmpadas, vela de ignição e lona de freio...

Como as formas mais fáceis de resolver o problema das carroças são conhecidas e se debate tanto a questão da mobilidade urbana para impressionar turistas estrangeiros durante a copa, o poder público poderia mostrar mais agilidade para resolver essa questão. Não adianta nada implementar corredores de ônibus pela cidade inteira e linha 2 do Trensurb se um ser realmente humano for obrigado a assistir pela janela do trem ou do ônibus com ar condicionado um espetáculo de violência marcado pelo ritmo de chicotadas...