sábado, 22 de março de 2025

Citroën 2CV: fez falta no Brasil em meio ao sucesso do Fusca?

Modelos compactos e com um formato até bastante semelhante em alguns aspectos, tendo também sido ambos voltados a atender a uma demanda por automóveis populares na Europa do período entreguerras, embora só tenham alcançado a produção escala comercial no rescaldo da II Guerra Mundial e ocupando uma posição de destaque como auxiliares na recuperação econômica dos respectivos países de origem no imediato pós-guerra, o Citroën 2CV francês e o Volkswagen Sedan alemão ainda foram exitososo em outras regiões mundo afora, com o 2CV tendo feito sucesso na Argentina enquanto o Sedan que passou a ser conhecido como Fusca revolucionou o mercado automotivo brasileiro. Assim como há quem tenha dúvidas até no Brasil quanto ao Pelé ter sido melhor que o Maradona, é natural que algumas diferenças conceituais entre o 2CV e o Fusca despertem certa curiosidade em países onde apenas um dentre ambos obteve sucesso comercial, especialmente diante de diferenças técnicas que vão muito além da posição e quantidade de cilindros dos motores ou de uma implementação da tração dianteira no Citroën enquanto a Volkswagen surgiu fortemente vinculada à tração traseira. E apesar das propostas teoricamente serem mais semelhantes do que se poderia esperar num primeiro momento, chega a ser compreensível que no Brasil uma abordagem mais minimalista do Citroën 2CV seja encarada mais como mera curiosidade em comparação a uma duradoura influência que o Fusca exerceu até em segmentos mais prestigiosos.

A posição dianteira do motor no Citroën 2CV eventualmente pudesse parecer mais fácil de assimilar no Brasil, onde fabricantes de origem americana como Ford e General Motors lideravam antes da ascensão meteórica da Volkswagen nas décadas de '50 e '60 do século passado, bem como um acesso mais fácil tanto ao habitáculo pela presença das 4 portas quanto ao compartimento de bagagens sem que o motor se sobreponha como um obstáculo, e talvez tivesse servido como contraponto a uma liberação do uso de carros com somente duas portas no serviço de táxis das principais cidades brasileiras que foi atribuída ao sucesso do Fusca. E até a capacidade de incursão off-road, especialmente apreciável em um país que ainda era majoritariamente agrário mas cuja expansão das infraestruturas urbanas requeria veículos com alguma aptidão para trafegar por terrenos severos sem abrir mão da agilidade desejável para circular nos centros urbanos, podia suscitar dúvidas em função da diferença entre a tração dianteira do Citroën 2CV que foi especialmente projetado para atender a necessidades de agricultores franceses e a tração traseira do Fusca que teve aplicações militares durante a II Guerra Mundial. O motor mais austero do 2CV, com só 2 cilindros contrapostos (boxer-twin ou flat-twin) e em faixas de cilindrada que permaneceram quase sempre inferiores à metade do menor motor disponível no Fusca em cada mercado onde ambos foram oferecidos simultaneamente, possivelmente acabasse sendo alvo de desconfianças no Brasil, mesmo que a configuração com 4 cilindros contrapostos ficasse mais desafiadora para uma refrigeração eficiente no Fusca, além do 2CV ter o motor dianteiro favorecer a captação de ar para a refrigeração comparado ao Fusca.

As médias de velocidade menores em uma malha rodoviária ainda em formação no Brasil talvez fosse menos problemática diante das limitações que o Citroën 2CV acabava tendo antes de receber um motor de 602cc que efetivamente o passava à "potência fiscal" francesa de 3CV e assim proporcionando maior versatilidade para quem dispusesse exclusivamente de um exemplar do modelo no uso privado/familiar, embora na atualidade ainda seja possível apontar um Fusca em bom estado de conservação como apto a manter velocidades compatíveis com o tráfego rodoviário sem maiores intercorrências. Naturalmente as possibilidades de upgrades de motores de versões mais antigas para outras mais modernas tanto do 2CV quanto do Fusca também acabasse sendo relevante para proporcionar mais aptidão a trechos rodoviários quando ainda eram mais tratados como carros "normais" e menos como históricos ou colecionáveis, sem entrar no mérito da substituição dos motores por outros totalmente diferentes dos originais tanto com a intenção de melhorar o desempenho quanto eventualmente facilitar a reposição de peças. Enfim, com o Citroën 2CV também justifique ser reverenciado como um modelo revolucionário, e também ter conseguido tornar o automóvel mais difundido em alguns países onde o Ford Modelo T foi insuficiente para cumprir tal missão, certamente fez falta no Brasil mesmo em meio ao sucesso do Fusca.

quarta-feira, 5 de março de 2025

O motor varetado ainda se justifica em motos de segmentos de entrada?

Ao contrário de outros países da América Latina, onde as normas de emissões para motocicletas ainda são menos restritivas e permitem até que o carburador continue em uso, no Brasil a injeção eletrônica e o comando de válvulas no cabeçote tornaram-se padrão também em segmentos de entrada. Enquanto no Brasil até a Honda renunciou à austeridade do comando de válvulas no bloco que fez a fama da antiga CG 125 varetada, em outros países como o México tanto a própria Honda quanto marcas regionais que consolidaram o outsourcing da China seguem oferecendo motores que são basicamente cópias do que a CG 125 usou até 2009 no Brasil, tanto na mesma cilindrada do original quanto ligeiramente aumentada. Praticamente nenhuma moto além das Harley-Davidson Big Twin com motor Milwaukee Eight estavam à venda regularmente no Brasil com comando de válvulas no bloco desde 2021 quando a Royal Enfield passou a usar só motores com comando no cabeçote por causa de uma mudança de normas de emissões na Índia, até a Shineray trazer a Free 150 EFI que usa um motor Wuyang.

Lembrando que a Honda tem joint-ventures na China com fabricantes como a Sundiro e a Wuyang para a produção de motocicletas, e portanto tiveram acesso legalmente a projetos da Honda naquele âmbito da transferência de tecnologia exigido dos fabricantes estrangeiros para operarem no mercado chinês à época da entrada da Honda, e outros tantos fabricantes menores fizeram e ainda fazem cópias ilegais do motor da CG tanto na cilindrada original quanto em versões ampliadas entre 150 e até 250cc e também com a possibilidade de incorporarem refrigeração líquida em substituição à refrigeração a ar usada pelo motor original, a percepção de uma maior facilidade de manutenção é um atrativo especialmente junto a um público mais conservador. Embora motores com o comando de válvulas no bloco também possam ter corrente sincronizadora, como passou a ser o usual nas Harley-Davidson a partir de '98 com o motor Twin Cam 88, o mais comum em motos utilitárias é o comando de válvulas ser acionado diretamente só por engrenagens, configuração que simplifica ainda mais a manutenção em comparação a concorrentes com o comando no cabeçote que precisam recorrer ainda a tensores de corrente. A simplicidade é muito apreciada pela percepção de uma redução nos custos de manutenção, mesmo que a maior complexidade inerente ao comando no cabeçote seja alardeada como vantajosa no tocante ao desempenho, o que pode ser uma meia-verdade quando consideramos como alguns motores para caminhonetes Chevrolet sigam usando o comando de válvulas no bloco, e mais recentemente até a Ford tenha substituido com sucesso alguns motores V8 e V10 com comando de válvulas no cabeçote por outros V8 com comando no bloco nos modelos mais pesados da linha de caminhonetes full-size e até ofereça tal opção para caminhões médios nos Estados Unidos e Canadá.

Naturalmente haverá quem insista que um motor varetado vá ser invariavelmente menos recomendável para operar em alta rotação, e os motores motociclísticos geralmente operarem a regimes mais elevados que os observados em motores automobilísticos pode levar à crença que o comando no cabeçote sempre vá ser melhor, mas é necessário considerar diferentes condições de uso e quais seriam as prioridades de cada operador. Da mesma forma que é comum encontrar saudosistas que ainda lamentam pela Honda ter encerrado a fabricação da CG varetada para o mercado interno pela percepção de maior robustez e facilidade de manutenção, também acabou sendo um motor muito usado para finalidades esportivas em função da ampla disponibilidade e fácil implementação de algumas preparações para obter um melhor desempenho, sem abrir mão da resiliência a condições de uso severas atribuída ao comando de válvulas no bloco. Enfim, por mais que alguns possam demonstrar ceticismo ou uma injustificada antipatia pelos motores varetados, tão somente pela percepção que o comando no cabeçote agrega modernidade, ainda seria justificável o comando de válvulas no bloco para algumas motos em segmentos de entrada.