É só falar em van com posto de condução avançado que uma das primeiras imagens a vir à mente é a Kombi, que a Volkswagen só se viu compelida a tirar de linha entre o final de 2013 e o começo de 2014 por ter considerado inviável equipar o modelo com freios ABS, que passaram a ser obrigatórios em todos os veículos fabricados no Brasil a partir de 2014.
Modelos definidos como "utilitários", com capacidade de carga mínima de 1000kg (uma tonelada), ou com acomodações para no mínimo 9 passageiros além do motorista, ou mesmo que não cumprisse nenhum desses requisitos tenham tração 4X4 com caixa de transferência de dupla velocidade (popularmente conhecida como "reduzida"), estão isentos apenas da obrigatoriedade do airbag, e embora seja homologada para carregar 14 passageiros além do motorista quando adaptada para transporte escolar ou 11 passageiros numa rara versão "lotação", ambas elaboradas pela Rontan, a versão Standard carregava apenas 8 passageiros além do motorista (embora uma peça publicitária dos anos '60 tenha mencionado que "extra-oficialmente" uma Kombi carregava 12 pessoas e ainda hoje induza muitos ao erro), e após a adoção do motor EA-111 de 4 cilindros em linha com refrigeração líquida a capacidade de carga tenha ficado pouco abaixo do mínimo de 1000kg exigido para a homologação como "utilitário".
Durante os anos '90 uma grande variedade de vans, predominantemente asiáticas como a japonesa Mitsubishi L300 e a coreana Kia Besta, mostrava no entanto que a configuração de posto de condução avançado não era necessariamente obsoleta. Embora a posição de motor central-dianteiro associada à tração traseira por eixo rígido tenha levado à necessidade de um assoalho mais elevado, o que às vezes se mostra um tanto desfavorável por aumentar a distância do solo à plataforma de embarque e limitar a altura máxima interna do salão de passageiros, mantinham algumas características bastante apreciáveis no tocante à racionalização da extensão da plataforma de carga em função da maior proporção de área útil ao longo do veículo e manobrabilidade em espaços mais limitados devido à distância entre-eixos mais curta que se torna viável sem sacrificar espaço para as pernas ao posicionar o motorista imediatamente acima do eixo dianteiro.
Nada impedia que fosse incorporada a uma van com posto de condução avançado a tração dianteira, hoje tão popular até em utilitários, tomando por exemplo a Mercedes-Benz MB-180D de fabricação espanhola. Nesse caso, porém, como o motor era montado mais à frente e já praticamente dentro da cabine (isolado por uma "dog house" como a usada em vans americanas tradicionais e em ônibus "cabritos" de motor dianteiro) se tornava inviável implementar um terceiro assento dianteiro mas, além de ganhar altura interna sem afetar as dimensões externas e ter uma plataforma de embarque mais baixa como é característico de vans com tração dianteira, pode-se afirmar que a proporção de área útil pelo comprimento total ainda é favorável em comparação a vans mais recentes de cabine semi-avançada.Não posso negar que uma dose de nostalgia já me atinge quando eu me deparo com uma Kia Besta GS (em outros mercados era comercializada como Kia Pregio mas no Brasil pegou embalo no sucesso da Besta original e acabou mantendo o nome), que pode não empolgar alguns que se dizem entusiastas de automóveis mas seria absolutamente injusto negar que marcou época no mercado brasileiro. Embora tenha sido trazida só com o motor J2 Diesel de 2.7L e aspiração natural (com o JT de 3.0L restrito à versão Grand, mais longa e com acomodação para 15 passageiros ao invés dos 11 na GS curta, em ambos os casos sem contar o posto do motorista) homologado nas normas de emissões Euro-2, não seria inviável readequar para as normas subseqüentes como a Euro-3 e a Euro-5 atualmente em vigor, incorporando o motor 4D56 de 2.5L que chegou a ser usado na Europa a partir de 2000 com turbo e injeção eletrônica common-rail. Ou mesmo entrar mais forte na onda do downsizing...
Outro ponto que merece algum destaque, e sempre suscita algumas polêmicas, é no tocante à aerodinâmica, e que tem um efeito significativo na redução do consumo de combustível: normalmente um posto de condução avançado poderia ser considerado problemático, visto que a frente do veículo se tornaria um "paredão" ao passo que o perfil mais alongado que se poderia obter com um posto de condução mais recuado permitiria uma área frontal mais inclinada, mas a Besta GS até tinha um desenho bem equilibrado apesar das limitações do layout. Até que veio um facelift no final de 2004 e não apenas piorou a aerodinâmica como deu um aspecto visual muito questionável...
Embora não seja o único fator por trás de um arrefecimento no interesse do consumidor brasileiro pelas vans com posto de condução avançado, pode-se até apontar no melancólico encerramento da coreana Asia Motors, fabricante da microvan Towner e da van Topic, uma importância significativa nesse contexto. Entre '93 e '99 a empresa chegou a contar com redução nos impostos de importação, valendo-se de um plano para instalar uma fábrica em Camaçari-BA que acabou não sendo honrado pela Hyundai, que incorporou a Asia e a Kia quando faliram durante a "Crise dos Tigres Asiáticos" entre '97 e '99. A título de curiosidade, para ser autorizada a finalmente instalar uma fábrica própria no Brasil sem participação do grupo CAOA, a Hyundai teve que pagar uma enorme dívida deixada pelo fracasso do projeto da fábrica em Camaçari.Uma imagem de modernidade associada a vans com posto de condução semi-avançada, como Mercedes-Benz Sprinter e Fiat Ducato, levou-as a conquistar uma participação significativa no mercado a partir da segunda metade da década de '90, apesar dos custos normalmente mais elevados, tornando-as preferidas principalmente no segmento de transporte de passageiros favorecidas também por uma percepção das mesmas como mais confortáveis em função de uma maior facilidade para promover um isolamento termoacústico eficiente em função do cofre do motor totalmente segregado da cabine. Somava-se esse cenário a um interesse dos fabricantes japoneses e coreanos em firmar uma imagem de prestígio no mercado brasileiro, que contrastava com a concepção meramente funcional e até certo ponto minimalista das vans com posto de condução avançada.
Tive a oportunidade de ver uma Hyundai H-1 da atual geração no Largo da Epatur em junho do ano passado, emplacada na Argentina, nitidamente mais "gorda" e requintada que a antiga H-100, e até seria competitiva diante do atual cenário do mercado brasileiro. Chega a ser até estranho que não seja mais comercializada nenhuma van da Hyundai no Brasil, principalmente considerando que o drivetrain tanto da antiga H-100 quanto da H-1 é basicamente o mesmo da caminhonete Hyundai HR já produzida em Anápolis-GO...
Considerando que 2014 foi um ano particularmente agitado em função da Copa do Mundo, o que acabou intensificando a demanda por serviços de fretamento para transporte de passageiros, teria sido uma oportunidade de ouro para o mercado voltar a reconhecer os méritos das vans com posto de condução semi-avançado, e mesmo modelos já fora-de-linha como a Hyundai H-100 certamente conquistariam um bom volume de vendas caso fossem reintroduzidos. Quem sabe as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro sejam melhor aproveitadas tanto pelos fabricantes de veículos utilitários quanto por empresários do setor de transportes...
A bem da verdade, vans com posto de condução avançado ainda se mostram perfeitamente adequadas às condições operacionais brasileiras. As dimensões externas mais compactas fazem com que uma menor quantidade de matérias-primas seja usada na fabricação, assim reduzindo o custo e também o peso, levando a uma maior capacidade de carga útil comparado a modelos com posto de condução semi-avançado em faixas de peso bruto total e capacidade volumétrica semelhantes. Ironicamente, tomando como exemplo a Kia, embora tenha tirado a Besta de linha ainda oferece a caminhonete K2500/Bongo para aplicações no transporte de cargas, mas que até poderia ser uma base adequada à montagem de um microônibus...
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