Foi protocolado essa semana na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul um projeto de lei prevendo a incidência do Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) sobre veículos com idade entre 20 e 30 anos. Da autoria de João Reinelli, deputado estadual pelo Partido Verde (PV), o projeto já está causando controvérsia nas redes sociais. De acordo com a proposta, veículos com idade entre 20 e 25 anos estariam sujeitos a uma alíquota de 4% sobre o valor, enquanto de 25 a 30 anos seria de 5%. A previsão de arrecadação extra para os cofres do governo estadual seria da ordem de R$318 milhões.
O autor do projeto de lei alega que carros mais velhos "poluem mais, tem mais problemas mecânicos e mais problemas de segurança", e que a isenção de IPVA seria um "assistencialismo perverso" ao fomentar a circulação desses veículos. De fato, os dispositivos de controle de emissões são inexistentes em alguns automóveis mais antigos, e muito mais rudimentares em outros, mas há de se considerar que em alguns casos é até economicamente viável promover alterações visando uma redução nas emissões, que podem ir desde uma ignição eletrônica sem distribuidor num motor de ignição por faísca até mudanças mais complexas como a instalação de um turbocompressor, tecnologia que tem impulsionado o fenômeno do downsizing em novos projetos e já se mostrou de grande valor para que os motores do ciclo Diesel pudessem alcançar os atuais patamares de eficiência. Além do mais, se for para falar de assistencialismo perverso, há alguns programas governamentais que tem sangrado o setor produtivo do país para manter currais eleitorais, e ainda o velho problema dos cabides de emprego para correligionários e o nepotismo.
Atribuir o problema das emissões somente à idade média da frota circulante também não é lá muito coerente, tendo em vista que a qualidade dos combustíveis e óleos lubrificantes brasileiros apresenta grandes variações, que podem chegar a prejudicar a durabilidade e o correto funcionamento da atual geração de dispositivos de controle de emissões. Por exemplo, em 2012 houve uma grande celeuma em torno da redução do teor de enxofre do óleo diesel, com uma ampliação da disponibilidade do chamado S-50 (com 50ppm - partes por milhão - de enxofre) anteriormente oferecido apenas nos postos BR-Petrobras como Diesel Podium, e já em 2013 começou a progressão para o padrão S-10, mas ainda tem muito posto comercializando o S-500 não apenas em rodovias do interior mas até em áreas centrais de capitais como Porto Alegre e alguns grandes centros regionais. Há de se considerar também o ostracismo do setor sucroalcooleiro, e a falta de investimentos no biogás/biometano que poderia servir como complemento ou até substitutivo para o gás natural de origem fóssil predominantemente importado da Bolívia de modo a ampliar a disponibilidade no interior.
Alegar que um veículo antigo seja mais propenso a problemas mecânicos não é um argumento tão apurado, principalmente quando observamos a concepção mais simples de alguns automóveis já fora-de-linha que podem passar por um reparo emergencial com recursos técnicos simples em praticamente qualquer brejo, enquanto modelos mais modernos dependeriam de dispositivos mais complexos até para o correto diagnóstico de falhas. Embora uma correta manutenção preventiva evite a ocorrência de panes, a possibilidade de solucioná-las com relativa rapidez e baixo custo asseguram alguma confiabilidade. Também é um equívoco generalizar todo carro antigo como se fosse um sucatão cubano caindo aos pedaços, e ignorar o estado deplorável de manutenção das ruas e rodovias gaúchas que estão entregues às traças - ou às praças (de pedágio)...
A questão da segurança é outro ponto altamente duvidoso, afinal muitos proprietários de automóveis com mais de 20 anos não teriam condições de trocá-los por um mísero carro "popular" 0km atual, e na eventualidade de se verem forçados a adquirirem um veículo novo uma parte considerável do público acabaria direcionada ao mercado de motocicletas, e na pior das hipóteses um carro por mais antigo que seja dificilmente vá apresentar níveis de segurança iguais ou inferiores aos de uma moto. Portanto, a alegação de que um simples desincentivo à circulação de veículos com mais de 20 anos de fabricação já proporcionaria qualquer incremento à segurança viária se mostra absolutamente infundada.
Também é importante lembrar que muitos veículos com mais de 20 anos ainda são usados para fins profissionais, principalmente por trabalhadores com renda modesta como pedreiros, serralheiros, pequenos produtores rurais, entre outros que não recebem Bolsa-Família e jamais sonhariam com a fartura das "verbas de gabinete" ou da "verba indenizatória" com as quais os políticos fazem a festa, e considerando que dificilmente o montante arrecadado em impostos retornaria em benefícios reais, não seria justo tirar desses cidadãos um dinheiro que faz falta na hora de comprar pão e leite para a família. Se nessa situação a simples incidência do IPVA já se mostraria inconveniente, a substituição por um modelo de fabricação mais recente com capacidades comparáveis de carga, reboque e incursão fora-de-estrada (quando aplicável) acarretaria num impacto muito pesado no orçamento familiar do proprietário.
Ter um veículo motorizado próprio, para muitos cidadãos e respectivas famílias, já é considerado uma necessidade diante da precariedade e alto custo do transporte coletivo, que em algumas localidades do interior é tão escasso que se torna praticamente inexistente. A incidência do IPVA sobre veículos com mais de 20 anos de fabricação se mostra uma medida inadequada diante do cenário gaúcho, e mais uma medida meramente arrecadatória viria a agravar os desastrosos efeitos da carga tributária obscena à qual o cidadão está sujeito, sem ter a merecida contrapartida por parte dos entes públicos.
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