Talvez uma das observações mais frequentes por parte de estrangeiros iludidos com a propaganda do "país tropical", principalmente quando ainda não entraram em contato com a realidade brasileira, é sem dúvidas o espanto diante da presença bastante limitada de carros conversíveis no nosso país. Ainda que essa não seja a única esquisitice do mercado automotivo local, num primeiro momento até pode parecer difícil de explicar. Porém, depois de algum tempo, chega-se à conclusão que a a irrisória disponibilidade de conversíveis é o menor dos problemas...
Se em outros tempos um carro mais comum de se ver nas ruas como o Ford Escort dispunha da opção pela versão conversível, que de certa forma combinava com as pretensões esportivas do XR3, não só o alto custo fez com que a demanda fosse um tanto limitada como também considerações no tocante à segurança se faziam presentes. Além da resistência torcional do monobloco tornar-se inferior ao que a carroceria de capota rígida oferece, mesmo considerando a adição de reforços estruturais em pontos estratégicos, não se podia ignorar desde a menor proteção ao condutor e passageiros na ocorrência de uma capotagem até um eventual incêndio que pudesse ser iniciado com o simples arremesso de uma mísera ponta de cigarro ainda acesa. Portanto, já não deveria ser de se causar tanto estranhamento a rejeição por parte de consumidores com um perfil mais generalista e urbano que tem procurado cada vez mais refúgios em meio à selvageria das ruas.
Outro ponto que acabou tendo seu peso contra os conversíveis, mais especificamente na década de '90, foi uma mudança na preferência do público brasileiro, que passou a deixar de lado os carros com apenas duas portas para aderir à praticidade das 4 portas. Se por um lado ainda soava atraente a idéia de poder manter a capota fechada em nome do conforto e até alguma privacidade em meio ao tráfego urbano sem abrir mão da possibilidade de abri-la em condições mais favoráveis como uma rápida ida à praia, por outro a maior facilidade de acesso aliada à eliminação da interferência do mecanismo da capota tanto no habitáculo quanto no compartimento de bagagens ficavam cada vez mais evidentes para o público generalista. Logo, não causaria tanta surpresa que um XR3 conversível passasse a ser cada vez mais tratado como mero objeto de curiosidade enquanto um Verona soava mais coerente às necessidades e anseios do consumidor.
Um caso em que a diferença de preços entre o conversível e um similar de capota rígida exacerbou-se numa proporção absurda foi o do Chevrolet Kadett, tendo em vista que os monoblocos fabricados no Brasil eram enviados para a Itália onde era feita a transformação em conversível pela Bertone, e em seguida repatriados para a montagem final. Dada a menor procura, que possivelmente desencorajava a instalação de ferramental específico para executar todas as etapas da produção dessa versão nas próprias instalações da General Motors do Brasil, não seria de se descartar pudesse ter recorrido a outra parceira que detivesse a capacidade técnica para fazer o serviço. Ainda que a concorrente Ford tivesse a facilidade de contar com uma filial da Karmann relativamente próxima para dispensar o envio de monoblocos do Escort para modificar na Alemanha, a GM poderia ter recorrido a empresas brasileiras como as hoje extintas Envemo e Sulam, que durante os anos 80 chegaram a transformar outros modelos como Chevette, Monza e Opala em conversíveis com anuência da fabricante. No caso da Envemo, chegou a ser homologada inclusive para a produção de alguns modelos "semi-oficiais" únicos no Brasil como a Veraneio M montada sobre o chassi curto da D-20 quando a produção das pick-ups full-size passou a ser concentrada na Argentina e o chassi longo anteriormente usado na Veraneio nacional e na D-20 de cabine dupla deixou de ser produzido.
Nos últimos 10 anos, talvez os fabricantes que mais tenham se destacado por tentar manter a oferta de conversíveis foram a Peugeot e a Renault, já valendo-se da capota rígida retrátil que era teoricamente mais adequada para conciliar os momentos de lazer com o teto aberto e a procura por um pouco mais de conforto e segurança no uso cotidiano. O baixo volume de vendas, porém, tornava mais viável a importação dos conversíveis diretamente da França, mesmo quando equivalentes fechados já eram feitos no Brasil como foi o caso do Peugeot 206 CC e do Renault Mégane CC, e assim o custo ficava ainda mais desfavorável em comparação aos modelos normais. Por mais que pudessem agradar a uma parte significativa dos consumidores pela pretensa "esportividade" frequentemente associada a esse tipo de carroceria, os prejuízos ao espaço no banco traseiro e no bagageiro também acabou levando a uma maior rejeição por parte do mercado.
De fato, hoje apenas segmentos mais prestigiosos se mantém convidativos aos conversíveis, e ainda assim podem ser feitas algumas ressalvas em virtude da situação caótica da segurança pública. Por mais que inicialmente possa soar para algum estrangeiro como paranóia, é importante destacar que no Brasil não é tão incomum blindar alguns carros que provavelmente estariam entre os menos indicados para a execução desse tipo de serviço no exterior, como por exemplo o Porsche 911. Mesmo sendo um modelo que se destaca facilmente em meio à frota circulante, o que seria de se supor que pudesse ao menos inibir tentativas de roubo ou sequestro, nem isso acaba sendo tão garantido, e portanto há sim quem deixe de escolher o conversível e prefira o modelo de teto rígido justamente por ser viável blindar. Diga-se de passagem, agora que a divisão de produtos controlados do Exército (responsável por homologar as empresas de blindagem no país) recentemente estabeleceu uma nova regra visando disciplinar uma gambiarra que algumas blindadoras faziam em veículos originalmente equipados com teto solar, exigindo que tal dispositivo seja permanentemente fechado quando estiver presente num carro blindado, parece impossível que venha a ser feita alguma provisão para acomodar tentativas de blindar um conversível.
A bem da verdade, como o Brasil definitivamente não é para principiantes e o povo aqui basicamente parece ser especialista em fazer gambiarra, até me surpreende que eu não tenha nem ao menos ouvido falar em alguma tentativa de blindar carros conversíveis no país. Mesmo que seja efetivamente uma idéia absurda, e vá contra os principais argumentos de vendas que possam ter sido usados a favor de modelos como o clássico Audi 80 Cabriolet com capota de lona ou o Volkswagen Eos dotado de uma capota rígida retrátil nas respectivas épocas, talvez não fosse tão improvável que algum Professor Pardal de plantão tentasse montar uma capota conversível blindada feita de Kevlar e placas de aço balístico já usadas na confecção de coletes à prova de balas caso não houvesse uma fiscalização por parte do Exército. Naturalmente, o acréscimo de peso agregado pela blindagem que já é problemático num carro normal ficaria ainda mais exacerbado num conversível, também em função do mecanismo (normalmente elétrico) de rebatimento da capota que ficaria submetido a uma carga excessiva para a qual não foi dimensionado.
Um comentário:
Conversível é bacana sim, mas agora acho difícil querer voltar a se acostumar com andar na cidade sem ar condicionado.
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