quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Downsizing: nem sempre a abordagem mais adequada

Que o downsizing se tornou cada vez mais relevante, a ponto de alguns modelos como o Volkswagen T-Cross hoje serem oferecidos na maioria dos mercados somente com motores que já recorrem a esse princípio, já é algo que não se discute. Expectativas por uma redução dos índices de emissões e metas de redução de consumo mais rigorosas tem balizado a maior presença de motores com turbo e injeção direta em modelos generalistas, mas em algumas circunstâncias um motor mais à moda antiga ainda é capaz de atender melhor. No caso específico do Volkswagen T-Cross, considerando que no Brasil são feitas versões com o motor 1.6 MSI somente a gasolina para exportação regional pela América do Sul e Central até o México, além de versões 1.0 e 1.4 TSI flex destinadas ao mercado local e ao Paraguai, a questão da altitude faz com que mesmo a presença do turbocompressor não vá ser necessariamente tão bem aproveitada em países montanhosos como a Bolívia e o Chile, ou na Cidade do México.

Mesmo que o turbo possa proporcionar alguma compensação dos efeitos da altitude, como o ar mais rarefeito que diminui o desempenho em comparação ao observado a nível do mar, essa circunstância também faz com que leve mais tempo para o próprio turbo desenvolver a sobrepressão de admissão. O menor aquecimento aerodinâmico resultante da compressão também faz com que uma injeção nos pórticos de válvula já não acarrete num risco tão alto para ocorrência da pré-ignição, que exigiria um enriquecimento da mistura ar/combustível no caso de motores com turbo caso não haja a substituição pela injeção direta. No caso do Hyundai HB20, que na geração anterior recorria sempre à injeção nos pórticos de válvula tanto para os motores aspirados de 1.0L e 1.6L quanto para o de 1.0L já equipado com turbo mesmo que aplicações em outros modelos no exterior não suprimissem a injeção direta nas versões turbo, esse erro custou ao desempenho e ao consumo de combustível falta de competitividade que não se justificaria nem pela alíquota de IPI menor para veículos com motor até 1.0L que poderia servir de pretexto para o downsizing. A atual geração agora mantém a injeção nos pórticos de válvula somente nos motores aspirados que seguem com as mesmas especificações da geração anterior, mas o turbo passou a contar com a injeção direta. Considerando que todas as versões do HB20 são flex, cabe relembrar que a injeção direta até facilita a partida a frio quando se usa etanol, sem precisar fazer o pré-aquecimento do combustível como se costuma fazer nas atuais gerações de motores flex com injeção nos pórticos de válvula.

No geral, outros tópicos que ainda geram desconfiança quanto ao downsizing são referentes ao custo e complexidade de manutenção e eventuais dificuldades para implementar uma conversão para gás natural. Nesse caso cabe lançar a observação com relação à geração anterior do Volkswagen Jetta que ainda oferecia uma versão aspirada de 2.0L com injeção convencional como alternativa aos 1.4 e 2.0 TSI enquadrados no downsizing enquanto a atual chegou inicialmente apenas com o 1.4 TSI e já não oferece nenhuma opção de motor mais simples. De fato, a presença do turbo impõe um maior stress térmico ao óleo lubrificante, tendo em vista as altas temperaturas nos mancais do eixo principal do dispositivo mesmo que recorra a uma carcaça com refrigeração líquida, e uma queda abrupta na pressão do óleo logo após o desligamento do motor pode fazer com que a rotação do turbo mantida pela inércia não seja suficiente para garantir que alguma quantidade de óleo não circule e assim fique exposta por um período excessivo às altas temperaturas com o risco de formar a temida borra. Quanto à conversão para gás natural, se num motor com injeção nos pórticos de válvula os bicos injetores originais não ficam expostos diretamente à frente de propagação de chama (flame spread) nas câmaras de combustão e podem ter o fluxo de gasolina e/ou etanol cortado ao operar com o gás, nos motores de injeção direta ainda é necessário manter um pequeno fluxo do combustível original para evitar danos aos injetores.

Um ponto particularmente controverso no tocante ao downsizing é o controle de emissões, tendo em vista que o menor intervalo de tempo para a vaporização do combustível entre a injeção e a centelha tem levado a uma formação de material particulado fino antes considerada um calcanhar de Aquiles dos motores Diesel. O fato da injeção direta permitir que se usem taxas de compressão mais altas, e a injeção na fase líquida faça com que a gasolina só possa vaporizar já submetida às altas temperaturas e pressões internas muito próximas ao fim de curso de compressão dos pistões (ponto morto superior) e algumas gotículas que não estejam totalmente vaporizadas sejam queimadas mais irregularmente, e formam uma fuligem. Tal situação já levou fabricantes como a Mercedes-Benz a incorporarem filtros de material particulado até em modelos a gasolina, como o A250 hatch e o A200 sedan vendidos no Brasil. Também acaba havendo algum problema em função das condições de temperatura e pressão nas câmaras de combustão se tornarem mais propícias à formação dos óxidos de nitrogênio (NOx), e mesmo podendo ser compensadas com um maior volume de injeção do combustível visando resfriar a carga de ar próximo ao início da ignição acaba-se acarretando num inconveniente incremento nessa questão do material particulado.

A questão do desempenho e certificação de emissões também pode ser interessante de se observar em modelos cuja classificação como "utilitário" para fins de homologação de versões com motor Diesel faz com que não ocorra diferenciação nas alíquotas de IPI em função da cilindrada. Tomando como referências a atual geração do Land Rover Discovery e o caminhão Volkswagen 11.180 Delivery, vale salientar como as diferenças entre a concepção do motor 3.0 V6 twin-turbo usado nas versões Diesel do SUV vendidas no Brasil e o Cummins ISF3.8 que equipa as versões de peso bruto total mais alto do caminhão leve. No caso do Discovery, para se alcançar a potência de 258cv a 3750 RPM e torque de 600Nm a 1500 RPM, é necessário lançar mão de uma sofisticação que inclui ainda o comando de válvulas duplo nos cabeçotes com sincronização por uma correia dentada cuja substituição é reputada um serviço mais complexo do que de costume. Já para o motor Cummins ISF3.8 na versão de 175cv a 2600 RPM e 600Nm entre 1100 e 1700 RPM, o comando simples sincronizado só por engrenagens é muito valorizado por operadores comerciais pela imagem de maior confiabilidade enquanto um único turbo diminui a complexidade, e já é capaz de proporcionar um desempenho adequado a um SUV grande em condições de uso normais ou até para explorar um pouco mais as eventuais capacidades de incursão off-road ou de reboque. Diferenças nas faixas de peso também podem favorecer o controle de emissões ao se aplicar num veículo de peso menos exagerado um motor mais bruto, levando em consideração os dispositivos de controle de emissões que podem ser aplicados ao motor. Enquanto para se enquadrar nas normas Euro-5 o Land Rover Discovery recorre somente ao EGR e o Volkswagen 11.180 Delivery lança mão apenas do SCR, o avanço das normas de emissões rumo à Euro-6 acaba por exigir a integração de ambos os dispositivos, e numa condição de peso menor é mais fácil manter uma velocidade de cruzeiro confortável com faixas de rotação mais modestas e relação final de transmissão mais longa, e uma carga mais alta de EGR já viabiliza diminuir a proporção entre o volume de fluido AdBlue/ARLA-32 necessário para o sistema SCR promover a redução das emissões de NOx e o consumo de combustível. Certamente, se não fosse pelas políticas que vem sendo implementadas na Europa e que são menos desfavoráveis ao downsizing, não seria de se duvidar que um motor como o ISF3.8 acabasse tomando o espaço hoje destinado a motores de 3.0L e 6 cilindros que podem até servir a um SUV premium mas se tornariam uma dor de cabeça num caminhão mesmo que leve...

Outro caso peculiar é o da Ford com o EcoSport, cuja versão Storm 4WD hoje é a única a oferecer o motor Duratec Direct flex de 2.0L no Brasil, que mesmo sendo de aspiração natural lança mão da injeção direta. Apesar de que a Ford não costuma acertar muito na estratégia de motores no Brasil, não deixa de ser interessante observar esse caso como um contraponto ao downsizing, tendo em vista que em alguns países supridos por versões fabricadas na Índia os únicos motores a gasolina são o mesmo de 1.5L com 3 cilindros aspirado e de injeção nos pórticos de válvula oferecido como flex no Brasil e o EcoBoost de 1.0L também de 3 cilindros mas com turbo e injeção direta. A proposta pretensamente aventureira da versão Storm até leva a pressupor que uma resposta mais previsível mesmo em meio a variações de altitude que acabem invariavelmente limitando o desempenho, ou ainda as questões de custo e complexidade técnica que eventualmente não se justifiquem em função da incidência de IPI, acabam sendo mais um daqueles casos em que se pode deduzir que o downsizing nem sempre vá ser a abordagem mais adequada no desenvolvimento de motores...

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