sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Triciclos: uma alternativa para aliviar o pesado trânsito urbano quase ignorada

Uma reclamação comum a moradores de várias cidades brasileiras, desde metrópoles conhecidas mundialmente como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e Manaus, passando por cidades médias como Florianópolis, Itajaí e Pelotas, até cidades pequenas interioranas, é o trânsito excessivamente congestionado. Por mais que eu goste de carros, não posso negar que há alguns que acabam sendo desnecessários em função do tamanho exagerado e de serem subaproveitados. Isso não significa, entretanto, que eu seja a favor da proibição aos carros, que todos andassem de ônibus, metrô ou bicicleta (embora eu seja a favor de uma ampliação da malha cicloviária tanto para proteger alguns ciclistas de atropelamentos quanto pedestres de alguns "bicicleteiros" mais desatentos e manter a fúria de alguns dos que se dizem "cicloativistas" o mais longe possível dos veículos motorizados), mas é visível que em alguns casos há usuários que são "empurrados" para veículos maiores do que seria realmente necessário tanto por falta de incentivos para o uso de modelos adequados às reais necessidades (às vezes a falta de um motor a diesel por causa de uma restrição jurídica absurda e obsoleta leva um possível usuário de uma pickup compacta a um modelo médio), por pressão social (a questão do status de alguns modelos associada ao fato do consumidor brasileiro ser mais apegado tanto ao tamanho em detrimento da oferta de equipamentos quanto à cilindrada em relação à tecnologia agregada num motor, recentemente desafiada pela Peugeot oferecendo um motor 1.6 com turbo e intercooler onde normalmente se encontraria um 2.0 aspirado) ou por causa de uma sensação de superioridade no trânsito a bordo de alguns modelos (não é raro ver "madames" desfilando em sport-utilities apenas para levar os filhos à escola parando em fila dupla ou procurar vaga em estacionamento de shopping e às vezes ainda enchem a boca para dizer que apreciam enxergar o trânsito "por cima").

Não é raro ver pequenos utilitários antigos como Fiat Fiorino, Ford Pampa e VW Saveiro em péssimo estado de conservação transportando cargas. Certamente os proprietários dos veículos poderiam se beneficiar do uso de um triciclo que geralmente pesa vazio menos da metade dos modelos convencionais, ocupa menos espaço físico nas ruas e em alguns casos conserva a mesma capacidade de carga ou a diferença é mínima. E o custo de manutenção e operação mais baixos, apesar do seguro obrigatório ser mais alto para os triciclos por serem considerados motocicletas, ainda que por conta da estabilidade direcional superior a estas acabem menos sujeitos a acidentes como os que constantemente vitimam e afastam do trabalho milhares de motoboys anualmente.



Não só para transportadores autônomos tais benefícios seriam apreciados, pois empresas de diversos tamanhos acabariam aderindo a tais veículos. Cortariam gastos com manutenção dos veículos, desde pneus eventualmente armazenados de forma inadequada antes de serem reciclados a gastos com combustível, consequentemente reduzindo a emissão de gases poluentes e a proliferação do mosquito da dengue através das águas pluviais empoçadas dentro de pneus velhos. Ainda, a agilidade de um triciclo em locais com pouco espaço para manobrar, como diversas ruas estreitas de mão única, seria benéfica ao trânsito como um todo por reduzir a eventual formação de congestionamentos.


Os mesmos congestionamentos e dificuldade de encontrar espaços para estacionar e manobrar que direcionam alguns consumidores a modelos como o Smart seriam um atrativo a mais para triciclos, ao ser levada em conta a questão do transporte individual. Com o preço absurdo que se cobra no mercado brasileiro pelo carrinho francês devido aos altos impostos de importação é possível comprar uma caminhonete média com motor flex, que por conta das condições socioeconômicas acaba sendo preferida tanto por uma sensação de segurança a bordo de um veículo maior (como se isso significasse que as áreas de absorção de impacto fossem melhor projetadas em função do tamanho) quanto pela maioria dos consumidores priorizar um único veículo que pudesse atender a diversas necessidades ao invés de adquirir modelos específicos a cada necessidade, fazendo com que tais veículos compactos sejam considerados "excentricidades" ou simples "brinquedinhos de filha de dono de Mercedes" como dizia o engenheiro Dr. João Augusto do Amaral Gurgel. Desde triciclos brasileiros para transporte de cargas leves improvisados a partir de motocicletas modificadas artesanalmente até modelos como o Piaggio Ape e diversos similares de fabricação indiana (e mais recentemente chinesa), não é difícil encontrar modelos com comprimento menor que os 2,69m e largura inferior a 1,56m do Smart com uma melhor otimização do espaço.




Apesar do breve momento em que os triciclos tiveram alguma visibilidade junto ao público brasileiro por causa de uma obra de teledramaturgia ambientada na Índia que fez grande sucesso e lançou alguns bordões bizarros e fez o povão correr atrás do dicionário para ver o que significava "auspicioso", o uso de triciclos no transporte de passageiros continua sendo considerado uma mera curiosidade, ou excentricidade indiana. Entretanto, não seria tão ilógico considerar as aplicações práticas de triciclos localmente para transporte de passageiros, tanto no uso particular (há quem tenha medo de motos mas considere um típico carro compacto com motor 1.0 desnecessário e ocasionalmente até grande demais, principalmente considerando as diminutas vagas nas garagens de edifícios residenciais e comerciais) quanto para táxi, considerando a agilidade e o baixo custo operacional, especialmente em algumas localidades onde não há rede de abastecimento de gás natural, incluindo cidades com mais de 300.000 habitantes. Alguns condutores com medo da violência urbana ainda apreciariam o fato da maioria dos triciclos ter o cockpit montado em uma posição que não possibilitaria a presença de passageiros tão próximos, até facilitando a instalação de um anteparo de proteção como os que se usa nos táxis londrinos, novaiorquinos ou mesmo em Montevideo. Vale destacar que até em países hoje bastante desenvolvidos como Itália e Japão chegaram a ser usados como táxi, pois economia era palavra de ordem para reconstruir a destruição por causa da II Guerra Mundial, e em alguns locais turísticos italianos ainda são usados com intensidade.



Uma aplicação que alguns considerariam totalmente inviável seria o uso de triciclos como ambulância. Sinceramente, eu mesmo me impressionei com a criatividade que levou alguns desses veículos a servirem para tal função na Índia. Por lá até pode não ser tão inadequado devido às condições das ruas, eventualmente piores que as brasileiras, inviabilizarem altas velocidades, mas o desempenho limitado da maioria dos triciclos utilitários que na quase totalidade mal chegam a 60km/h (as "piores" ambulâncias brasileiras que eu já vi alcançavam no mínimo 80km/h) dificultaria a inserção dos mesmos nesse segmento de mercado. Vale destacar, entretanto, que alguns contam com suspensões independentes nas 3 rodas proporcionando um certo conforto em comparação com os arcaicos eixos rígidos com feixes de molas constantemente usados na suspensão traseira das ambulâncias brasileiras...


Algo que eu costumo dizer é que as frotas policiais acabam refletindo a situação econômica e geográfica dos locais. Se por um lado algumas cidades brasileiras são tão mal equipadas em termos de viaturas de polícia que um único modelo precisa ser como um "canivete suíço" e executar todas as funções, desde procedimentos administrativos passando por patrulhamento até transporte de detentos, corporações policiais de países desenvolvidos mesmo em cidades pequenas acabam contando com veículos mais apropriados para algumas funções específicas, de superesportivos para perseguições em alta velocidade até triciclos que possam ser adaptados para funções como procedimentos administrativos, apoio logístico e patrulhamento de rotina em áreas com alto fluxo de pedestres (mesmo perfil de algumas ruas de Porto Alegre e Florianópolis, ou parques e praças) ou onde as condições geográficas beneficiem tais veículos. Vale destacar o caso da Itália e do Japão novamente, que em algumas regiões apresentam uma topografia bastante irregular como os morros do Rio de Janeiro cheios de becos e vielas estreitas o bastante para dificultar a circulação de viaturas de polícia mais convencionais (manobrar o Caveirão, então, nem se fala na perícia que é exigida do piloto da máquina). Pensando dessa forma eu não consideraria tão inapropriado a presença de pelo menos um triciclo em cada UPP carioca...


Outra situação onde a agilidade dos triciclos poderia ser um grande benefício é na manutenção de serviços como telefonia, TV por assinatura, instalações elétricas e hidráulicas. Não é incomum encontrar hatches 1.0 normais com alguns suportes de teto para escadas e prateleiras improvisadas desde o pequeno compartimento de bagagens até onde seria o banco traseiro sendo usados para a assistência técnica, quando eventualmente um triciclo com os compartimentos de carga devidamente projetados para armazenar os equipamentos poderia proporcionar uma segurança adicional, enquanto a agilidade dos veículos permitiria uma maior rapidez para atender aos usuários em ambientes urbanos com trânsito tão caótico onde encontrar um espaço para transitar e outro para estacionar acaba sendo mais decisivo que uma velocidade elevada. Até em algumas localidades rurais o uso de triciclos poderia ser considerado adequado, tanto por conta do custo inferior quanto do menor impacto ambiental de um veículo significativamente mais leve e econômico que algum utilitário de 4 rodas.

Apesar do aparente desinteresse em promover tais veículos, enquanto a economia permanecer eternamente "em desenvolvimento" e o trânsito sempre bagunçado, os triciclos são uma opção bastante apropriada ao mercado brasileiro...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Acessibilidade em veículos para deficientes físicos e sistemas de direção alternativos

A primeira vez que eu parei para pensar sobre a questão dos automóveis adaptados para deficientes físicos foi em agosto de 1996, quando eu tinha apenas 6 anos, mas já tinha um  grande interesse por automóveis, e estava folheando alguma edição da revista Quatro Rodas que mencionava o lançamento de algumas versões do então novo Fiat Palio adaptadas para ser conduzidas por deficientes físicos.

O então revolucionário Fiat Palio, em 1996.

Antes de abrir a revista eu imaginava que o volante pudesse ter sido substituído por um sistema semelhante ao guidon da Vespa com todos os comandos agrupados para ser acionados pelas mãos - a idéia predominante quando se fala em deficiência física é a paraplegia, tanto por conta do eufemismo "dificuldades de locomoção" constantemente usado quanto pelo próprio símbolo internacional de acessibilidade fazer menção clara à cadeira de rodas - semelhantes a alguns dispositivos de controle hidráulico produzidos pelo grande mecânico inglês Jim Doran, especialista em adaptações complexas (sobretudo hidráulicas) falecido recentemente.
Vespa: comandos centralizados ao redor do guidon eram a minha referência 
 
Fui surpreendido pelos sistemas adaptativos usados nas referidas versões: um sistema com aro de aceleração abaixo do volante (que entretanto não acompanhava a rotação do mesmo) bastante primitivo, o primeiro sistema desenvolvido pelo Sr. Ottelo Venturini, fundador da Guidosimplex italiana, na década de 50, com freio acionado por uma alavanca montada à direita próxima à do câmbio e embreagem automatizada a vácuo, um sistema alemão da Kempf em que o aro era montado por cima do volante (acompanhando a rotação do mesmo mas impossibilitando o uso do airbag) e freio por alavanca com embreagem eletrônica K-Matic (mesmo sistema usado pelo saudoso Clay Regazzoni em alguns veículos de competição que ele pilotava depois do acidente que o deixou paraplégico) e um sistema francês fornecido pela Okey Technologie, que usava pequenas e discretas alavancas atrás do volante para acelerador e uma maior à direita para acionar o freio, igualmente com embreagem eletrônica.

Sistema francês: para quem prefira uma adaptação de aspecto mais discreto.

Uma versão modernizada do tradicional sistema francês, produzida na Itália pela Kivi Allestimenti:
com gerenciamento eletrônico da alavanca de aceleração, que é desativada quando se freia.

Tais sistemas estavam, ainda assim, anos-luz à frente das adaptações até então mais comuns para paraplégicos no mercado brasileiro, que consistiam em uma alavanca que é puxada para acelerar e empurrada para frear, ocasionalmente associada a um pomo no volante para facilitar a movimentação do mesmo com apenas uma mão, e se o veículo não tivesse câmbio automático se necessitava ainda de um acionamento manual ou automatizado para a embreagem. Para deficiências apenas na perna esquerda podia se encomendar o veículo apenas com a embreagem adaptada, enquanto quem tivesse problemas na perna direita dependeria ainda de um sistema de inversão do pedal do acelerador (que demandava um pedal removível para a embreagem, livrando espaço para o pedal de acelerador invertido).

Clay Regazzoni: "il camionista"chegou a usar o sistema Kempf em caminhões de rali na década de 80, antes de começar a usar sistemas da Guidosimplex


Depois de algum tempo, a curiosidade relacionada a esse assunto começou a esfriar, até ressurgir em 2000 quando eu comprei uma miniatura de um Citroën Xsara caracterizado como o modelo usado pelo piloto andorrano Albert Llovera, primeiro paraplégico a competir no WRC. Era uma mera curiosidade para um moleque de 10 anos que adorava automóveis em geral, mas no ano seguinte estava bastante devotado às competições de motociclismo, empolgado com os êxitos do japonês Daijiro Kato. O falecimento desse grande piloto em 2003 chegou a me causar depressão, mas como se ele tivesse sobrevivido ao gravíssimo acidente que lhe custou a vida ele provavelmente ficaria tetraplégico acabou sendo mais um interesse quanto à questão da acessibilidade veicular.

Além da dirigibilidade para paraplégicos, que ainda adotam predominantemente a alavanca universal para acelerador e freio, começaram a despertar a minha curiosidade alguns dispositivos semelhantes a um controle remoto de televisão com vários botões para acionar as funções elétricas do veículo e acopladas ao pomo de volante, bastante usadas no exterior por pessoas com alguma deficiência em uma mão ou braço, enquanto localmente se recorre mais a extensões nas alavancas-satélite montadas ao redor do volante para serem acionadas pela mão contralateral.
 Acionamento de dispositivos elétricos por alavanca ainda é o padrão prevalente.
 
Até 2004 eu considerava tetraplégico apenas quem não tivesse movimentos abaixo do pescoço, mas depois eu fiquei sabendo que quem tem limitações na preensão da mão é considerado tetraplégico. Eu conheço um tetraplégico desse nível, que conduz um triciclo até bastante precário (por não ter reversor dificulta manobras em locais mais apertados) adaptado com um guidon especial para apoiar apenas a mão esquerda enquanto a direita controla alavancas de freio e acelerador.



O triciclo que aparece nessa foto não é adaptado, mas eu já vi modelos semelhantes sendo conduzidos por deficientes.

Adaptações em motos são pouco comentadas, mas em alguns locais como Araranguá, no litoral sul de Santa Catarina, está sendo mais frequente ver deficientes conduzindo motonetas transformadas em triciclo, e com a recente expansão do mercado de triciclos no Rio Grande do Sul até poderiam ser mais difundidas. Em alguns casos até há algumas adaptações rústicas feitas para que pilotos com amputação em uma perna possam operar o câmbio com a mão ou o pé contralateral, assim como acionamentos alternativos para o freio traseiro, mas com um triciclo fica mais fácil até para um usuário de cadeira de rodas poder pilotar ao ar livre, e a maior estabilidade ainda possibilitaria que pessoas com deficiência em um ou mais membros superiores pudessem ter a mesma sensação, no caso com alguns comandos transferidos para acionamento no pé ou pelos membros vestigiais superiores.


Segue um vídeo mostrando uma interessante adaptação feita em uma motocicleta para ser usada por piloto profissional que foi vítima da Síndrome de Talidomida, tendo uma agenesia transradial direita, encaixando o antebraço vestigial numa órtese que garante toda a estabilidade para que ele pilote com conforto e segurança:
:
O caso apresentado nesse vídeo, do piloto gaúcho de motocross Anderson Alberton, que chegou a ser campeão estadual, é um dos exemplos de que a ignorância domina a burocracia estatal. A adaptação que ele usa num ambiente extremo seria perfeitamente viável para uso em vias públicas, assim como tantas outras soluções técnicas que são simplesmente engavetadas pelos departamentos de trânsito por todo o país, que equiparam alternativas desenvolvidas de acordo com exigências de segurança como se fossem meras "xunilarias" de fundo de quintal.

As suspensões ajustáveis, sobretudo as eletropneumáticas usadas em quase todos os ônibus acessíveis a deficientes físicos pela possibilidade de rebaixar automaticamente a entrada para nivelar às calçadas, vem tendo a adaptação em veículos convencionais vetada por causa de uma legislação arcaica teoricamente desenvolvida para evitar modificações feitas sem critério e bastante populares entre os adeptos do tuning, mas que na prática acabam limitando a acessibilidade para cidadãos com deficiências físicas. Outra alteração que em países desenvolvidos (ou às vezes nem tão desenvolvidos) é bastante associada a essas modificações de suspensão é o rebaixamento parcial do assoalho interno, possibilitando que sejam usadas rampas retráteis mais curtas e leves ao invés de pesadas plataformas elevatórias ainda mais trabalhosas de operar ou rampas mais longas para manter uma inclinação suave.




Se é permitido alterar o assoalho de veículos como a Chevrolet Meriva e o Fiat Doblò para caber cilindros de gás natural atrás do parachoque eu não entendo qual é a moral de se proibir uma alteração para facilitar o acesso a um cadeirante (e que ainda proporciona uma melhoria na economia de combustível comparado com sistemas mais pesados e que interferem negativamente na aerodinâmica ao demandar elevações na altura do teto).






Alegam uma questão de segurança, que o tanque de combustível em alguns casos acaba sendo modificado (o que a legislação local proibe) ou substituído (geralmente por um "fuel-cell" homologado para normas de segurança da FIA, bem mais seguro que o tanque de um veículo de produção regular), ou que a estrutura é alterada, sendo que isso já ocorre naqueles táxis adaptados que já circulam em algumas capitais brasileiras, baseados no Fiat Doblò com o teto elevado algumas vezes de forma bastante precária com fibra de vidro sem os devidos reforços para evitar que a retirada do teto original deixe a estrutura mais propensa a torções (não é à toa que às vezes os conversíveis são mais pesados que um modelo de produção regular, pois o teto acaba sendo um elemento estrutural importante no projeto do veículo, portanto reforços em pontos estratégicos são demandados para preservar a rigidez estrutural após sua remoção).



Um dos sistemas mais avançados de condução adaptada é o AEVIT, Advanced Electronic Vehicle Interface Technology, desenvolvido pelo empresário americano Scott Bolduc a partir de sistemas fly-by-wire bastante usados na indústria aeroespacial, onde o nível de exigências de segurança é bastante severo e a exposição a condições meteorológicas extremas é constante. A confiabilidade é tanta que é usado até por forças militares em veículos não-tripulados para missões de reconhecimento e pela indústria cinematográfica em algumas cenas onde é melhor não arriscar situações onde nem os melhores dublês escapariam ilesos.
"Cockpit" do sistema AEVIT usado em alguns aviões militares. O sistema usado em veículos terrestres é essencialmente o mesmo, apenas modificado para ficar acessível a motoristas com deficiências.

Tal sistema não é homologado pelas autoridades de trânsito brasileiras, embora seja reconhecido em diversos países onde é bastante usado por tetraplégicos, e localmente a ANAC permita o uso de sistemas idênticos na aviação.

Fala-se tanto em "democratização" da tecnologia mas essa aplicação tão humanitária é solenemente ignorada, sobretudo pelos esquerdistas rançosos que se dizem humanistas mas parecem mais favoráveis a um retorno à Idade da Pedra.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Biomassa e a qualidade dos combustíveis em geral


Ainda persiste o mito de que biocombustíveis possuem qualidade duvidosa comparado com os derivados do petróleo e outras fontes fósseis como o carvão mineral (principal fonte de óleo combustível na África do Sul, e que foi bastante usado pela Alemanha nazista na fabricação de gasolina pelo processo conhecido comercialmente como CTL). É um absurdo, principalmente se for comparado com o que existe em alguns mercados como o brasileiro, onde mesmo a gasolina com uma mistura de 20 a 25% de etanol dependendo da época do ano ainda apresenta um teor elevado de enxofre, ausente no combustível vegetal. Tal fato chegou a ter repercussão mundial quando em '96 alguns motores BMW com revestimento dos cilindros em Nikasil foram simplesmente inutilizados após seriamente danificados pelo enxofre na gasolina, assim como ocorreu na Venezuela e em algumas regiões dos Estados Unidos onde uma parte considerável da gasolina era importada da terra do Hugo Chávez - que apesar de repetir os mesmos clichês esquerdopatas de sempre continua vendendo gasolina para os yankees (e agora só falta beijar os pés do Obama). Ainda há quem critique os fabricantes e importadores atuantes no mercado brasileiro por não oferecer alguns motores mais modernos disponíveis no exterior, e quando o fazem recorrem a calibragens com menos desempenho para não sacrificar tanto a durabilidade. A própria Volkswagen em 2007 antes de lançar o Passat com motor FSI de injeção direta, quase chegou a desistir de tal sistema por conta de preocupações quanto ao teor de enxofre na gasolina (de fato só não desistiram em virtude da menor incidência de impostos a um motor 2.0 que ao 2.5 de 5 cilindros usado no mercado americano e no Jetta que só vem do México com tal motor por conta de uma tributação diferenciada para automóveis de fabricação mexicana), como fez a Toyota quando lançou a mais recente geração do sedã Lexus LS, disponível com um sistema de injeção duplo, com alguns injetores diretos e outros indiretos no coletor de admissão, mas a versão destinada ao mercado brasileiro conta só com os injetores no coletor.

Outro caso emblemático é do diesel, execrado por alguns que se dizem ambientalistas mas ignoram o fato da quase totalidade dos automóveis ditos ecológicos vendidos no mercado europeu serem versões a diesel. O que leva a esse equívoco comum é a imensa quantidade de material particulado (a infame fumaça preta) emitido por alguns motores a diesel, que apesar de ter sido significativamente atenuada pelos novos desenvolvimentos tecnológicos dos sistemas de controle e tratamento de emissões ainda persiste devido à péssima qualidade inerente ao diesel oferecido no brasileiro. Alguns motores usados em versões de exportação de modelos nacionais não resistiriam ao vergonhoso produto que a Petrobras insiste em chamar de diesel, ao passo que em alguns casos adaptações para rodar até com óleo de fritura usado (que não é biodiesel, apesar de outra crença equivocadamente difundida) são extremamente bem sucedidas (e sobrecarregam bem menos a estrutura dos veículos que aqueles kits de conversão para GNV que se proliferaram em território brasileiro em função das restrições ao uso do diesel em veículos leves). Até um funcionário do Consulado-Geral da Alemanha em Porto Alegre me disse informalmente que nem os corpos diplomáticos mais estavam se valendo da brecha que os permite usar modelos a diesel por conta da sensibilidade dos sistemas de injeção mais modernos ao teor de enxofre e dos filtros de combustível e escapamento (DPF para retenção de material particulado, obrigatório no mercado americano e ainda opcional - mas ganhando adeptos - no mercado europeu) terem uma durabilidade ínfima com o diesel local - até a Mercedes-Benz quando começou a importar o sport-utility ML320CDi teve que usar um filtro de combustível mais reforçado, trocar os catalisadores e eliminar o DPF, o que até rebaixou o modelo anteriormente certificado em classes mais restritivas de emissões para a norma Euro3 ainda em vigor localmente. Algumas empresas interessadas em vender modelos leves com ignição por compressão no mercado brasileiro, como a Fiat que atualmente os produz apenas para exportação para vários países nos 5 continentes (e cujo motor Multijet 1.3L de 90hp sofreria consideravelmente com o teor de enxofre e particulados), sinalizaram o interesse em desenvolver um programa semelhante ao ProAlcool para o uso de biodiesel e óleos vegetais, que comparados até ao diesel de 50ppm de enxofre já disponível em mercados mais desenvolvidos ainda apresenta a vantagem de não ter enxofre, que contribui significativamente para a chuva ácida.

Uma questão que particularmente me intriga é a do gás natural, importado em grandes quantidades da Bolívia mesmo após o vexame do confisco das instalações da Petrobras pelo governo do cínico Evo Morales, que ainda disse que o governo brasileiro "deveria dar as instalações como um presente ao povo boliviano". O que ele se esquece é que a Bolívia nunca teria condições de explorar aquele bolsão de gás por conta própria sem os investimentos da Petrobras e de outras empresas estrangeiras, como a El Paso Energy e a Shell. Fora isso, existem outras opções para se obter gás combustível a partir da biomassa. O mesmo metano lançado na atmosfera sem nenhum cuidado em lixões a céu aberto poderia ser explorado adequadamente em aterros sanitários controlados, assim como estações de tratamento de esgoto e até fossas sépticas residenciais. Recentes projetos desenvolvidos em áreas rurais até tem usado o biometano proveniente de fezes de animais para eletrificação rural e uso como gás de cozinha como se faz no Vietnam e na China, que inclusive usa biogás como combustível em ônibus (alguns até com precários sacos plásticos como reservatório em função da baixa pressão, embora o gás pudesse ser comprimido para uso em sistemas mais convencionais).

Sobre a experiência brasileira com o etanol eu não preciso nem comentar, foi o maior programa de renovação de matriz energética e só não foi mais bem sucedido em função do uso de uma única matéria-prima para produção do combustível alternativo, ao contrário do biodiesel e óleos vegetais que podem vir de diversos cultivares. Tanto que houve a crise do etanol entre '89 e '90 e tal combustível só retornou triunfalmente com o advento dos motores flex a partir de 2003, embora ainda sofra alguma desconfiança com relação a outro período de desabastecimento. Vale destacar que os flex atuais são uma gambiarra e normalmente sofrem aumentos no consumo quando operando só na gasolina ou no álcool comparados aos modelos similares dedicados a um único combustível. A uns 2 anos atrás um taxista que usava uma Parati 1.8 das últimas movidas somente a álcool chegou a comentar comigo que não se desfazia daquele carro para pegar um flex enquanto não fosse obrigado (em Porto Alegre os táxis podem rodar por até 15 anos na praça), que mesmo no inverno batia na chave e pegava de primeira (aí nós temos que reconhecer os méritos do antiquado sistema auxiliar de partida a frio com gasolina, que poderia até ser eliminado se fosse adotada injeção direta e pré-aquecimento dos bicos injetores para partida a frio, recurso que chegou a ser incorporado numa série especial do Volkswagen Polo mas não é mais oferecido regularmente), e ainda se enchia de orgulho quando dizia nunca ter aderido ao GNV (outro taxista chegou a comentar comigo que alguns colegas de profissão desistiam do Siena 1.4 Tetrafuel, por causa de panes no sistema eletrônico e do desgaste prematuro de elementos da suspensão traseira e materiais de atrito dos freios, para usar o modelo 1.0 flex rodando no álcool - curiosamente o meu pai tem um primo que é taxista e se entusiasma com o Tetrafuel, só se aborrece com a obrigatoriedade das inspeções mais rigorosas no sistema de gás).

Realmente é algo que me intriga o subaproveitamento que a biomassa tem como recurso energético em território brasileiro, com o desperdício de toneladas de metano lançadas diariamente na atmosfera e litros de óleo de cozinha usado descartado inadequadamente podendo contaminar rios, lagos e o mar. Além de ser uma riqueza perdida, acaba gerando prejuízos ambientais de grandes proporções, tanto pela poluição que causam quanto pela que seria reduzida com o uso da biomassa para substituir combustíveis fósseis de qualidade duvidosa.