domingo, 13 de março de 2011

Motores 2-tempos: uma opção que vem sendo subestimada

Ainda que eu tenha uma preferência por motores com ignição por compressão (diesel), não só o governo brasileiro limita demais a aplicação desses propulsores em veículos leves como existe uma desconfiança da parte de alguns consumidores, que os associam ainda à frota nacional de caminhões com alguns exemplares em estado deplorável de conservação e à paupérrima qualidade do diesel nacional. Entretanto, para os que se negariam a usar um motor a diesel em um veículo, uma opção interessante vem sendo ignorada apesar de ter algumas características bastante adequadas à realidade brasileira, e até mesmo a de outros países: os motores 2-tempos.


Se antes eram usados em automóveis como os DKW-Vemag, e foram populares sobretudo na indústria motociclística, hoje basicamente estão restritos a aplicações especiais como no setor náutico, aviação experimental e aplicações estacionárias/industriais que necessitem de propulsores o mais compactos possível e com uma relação peso/potência mais elevada, e a simplicidade mecânica favorecendo a confiabilidade. Peça que não existe no motor não quebra, como já diziam alguns antigos engenheiros. Ainda há a questão da quantidade menor de matérias-primas e processos produtivos empregados na fabricação desses motores, reduzindo o custo.

Um dos fatores que até hoje causa alguma desconfiança em uma significativa parcela do mercado consumidor é a questão da durabilidade de tais motores. Apesar de serem extremamente simples, necessitam de manutenção assim como um 4-tempos de potência e torque similares, e isso vai desde usar corretamente o óleo até escolher peças de reposição de boa qualidade.

Uma grande diferença entre esses ciclos termodinâmicos é que, enquanto os 2-tempos normalmente necessitam da mistura prévia do óleo à gasolina (quando não usam algum sistema de injeção direta, em que a mistura ocorre somente na câmara de combustão quando a gasolina é injetada), nos 4-tempos o óleo não deve participar da combustão. Por comodismo, não é incomum que se prefira não ter que ficar dosando o óleo a cada ida ao posto para encher o tanque (ainda que alguns modelos contem com misturador automático de óleo - curiosamente, alguns colecionadores de modelos DKW-Vemag equipados com Lubrimat preferem usar óleo para kart e fazer a mistura por conta própria). Ainda há a questão da fumaça característica produzida pela queima do óleo: com a melhoria nas tecnologias de refino já existem óleos sintéticos que reduzem consideravelmente essas emissões e ainda demandam uma quantidade menor para ter o mesmo efeito, apesar de ainda terem um custo que no fim das contas acaba sendo mais elevado. Entretanto, não é impossóvel encontrar óleos de base vegetal para esses motores, que não só reduzem a fumaça como misturam melhor na gasolina alcoolizada brasileira e são de origem renovável - enquanto isso, o barril de petróleo vai tendo uns aumentos de preço cada vez mais violentos...

Aproveitando o embalo da questão dos preços do petróleo e derivados, vale destacar o caso de uns motores 4-tempos nos quais a SAAB estava testando um sistema de compressão variável, com um sistema de elevação do cabeçote. Baseados no Ecotec 2.0L turbo atualmente em uso numa grande variedade de modelos da General Motors, esses protótipos tinham uma potência entre 260hp usando gasolina a 300hp com o etanol, usando injeção direta. Nesse caso ainda se acaba lidando alguns possíveis focos de problemas com o acionamento do comando de válvulas, sobretudo com tensores de corrente. Considerando o fato de um motor 2-tempos dispensar o sistema de válvulas isso acaba sendo uma grande vantagem na hora de adotar um sistema de compressão variável...

Ainda existe a possibilidade de se extrair de um motor 2-tempos aspirado uma potência específica igual ou superior à de um 4-tempos de cilindrada equivalente com turbo, componente que ainda tem um custo bastante elevado e acaba demandando alterações mais profundas no sistema de refrigeração do motor. Para efeitos de comparação, o motor da General Motors citado anteriormente entrega uma potência específica de 130hp/l e torque de 18kgfm/l, enquanto a empresa australiana Orbital Engines, que vem desenvolvendo sistemas avançados de injeção direta para motores 2-tempos, já vem desenvolvendo protótipos que alcançam os 200hp/l e 16kgfm/l sem recorrer ao turbocompressor - apesar do torque 12,5% superior no 4-tempos, mas considerando que os sistemas da Orbital vem sendo mais empregados na indústria motociclística (em parcerias com a austríaca KTM, as italianas Piaggio e Aprilia, e a indiana Bajaj) até não é um número tão desprezível devido às motos normalmente terem uma relação entre potência e torque diferente. Importante lembrar que, se atualmente as motos superesportivas tem atingido valores elevados de potência específica, em torno de 90% do valor alcançado pelo 2-tempos da Orbital, isso se deve mais ao aumento dos regimes de rotações que a qualquer evolução mais significativa - logo sacrificando a durabilidade dos motores e o torque.

Outro bom exemplo é o motor TSS1100GP, da australiana Two-Stroke Shop, que atinge 220hp a 9500RPM contra 188hp a 12000RPM na Kawasaki Ninja ZX-10R, ao mesmo tempo que entrega o dobro dos 12kgfm da moto japonesa, apesar da cilindrada ser apenas 10% superior - sendo assim, já passa dos 20kgfm/l - sem tantos recursos eletrônicos de gerenciamento como são disponíveis na Kawasaki, e que devido ao uso dos interessantes cabeçotes toroidais se tornaria incompatível com a injeção direta desenvolvida pela Orbital. Mas o mais interessante é o TSS1100GP pesar 25kg a menos que o 4-tempos tomado por referência. E, apesar de ser um motor motociclístico até que não teria um desempenho insatisfatório num automóvel convencional de porte médio ou mesmo num sport-utility como a Chevrolet Captiva Sport, que na versão básica tem potência de 180hp e 23,8kgfm de torque...


Vale lembrar uma interessante alternativa para fazer com que os motores 2-tempos sejam vistos com mais simpatia pelos consumidores: o brasileiro Luciano Gama vem pesquisando um sistema de lubrificação semelhante aos 4-tempos, reduzindo sensivelmente o problema da fumaça densa resultante do óleo queimado. Eu até gosto do sistema atual, visto que ainda faz parte da realidade brasileira o descarte inadequado de óleo lubrificante usado correndo-se o risco de contaminar solo e lençol freático, mas devido ao interesse de um mercado atualmente acomodado aos 4-tempos eu considero de grande valor essa iniciativa. Quem iria acabar gostando desse sistema são usuários de veículos convertidos para gás natural, pois não haveria risco de danificar sedes de válvula e trincar cabeçotes.

Enfim, ainda que não estejam recebendo a devida importância, os motores 2-tempos ainda são uma opção bastante válida...

17 comentários:

Guilherme disse...

2t é bruto demais, tanto que tem mta rd135 mexida no fundo do quintal andando mais forte que cb500 original.

Thiago Barbosa disse...

Mas eu vejo vantagem nos dois tempos. Dependendo do caso e se o cara for desenrolado, já resolve um pouco da manutenção sozinho

Tyrone González disse...

Makes me remember those EnviroFit 2-stroke direct injection systems that had been offered for retrofits in Filipino tricycles a few years ago. A good technology but the cost factor was still closer to a carburetor-feed 4-cycle, that doesn't require any electronic device and could be fixed by the owner/operator without any hi-tech device.

Nanael Soubaim disse...

A Ford chegou a desenvolver motores dois tempos com lubrificação isolada, tal qual a dos quatro tempos, eliminanto o problema de emissões. Não sei porque não foi para frente, hoje seria muito útil nos veículos híbridos.

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Até onde eu saiba os motores 2-tempos que a Ford testou foram produzidos pela Orbital, e não tinham lubrificação isolada. Por isso que não puseram no mercado, já que os consumidores eram acostumados demais com o sistema dos 4-tempos. Mas não seria bom só para usar em híbridos, poderia até estar evitando problemas de desgaste de sede de válvula nos motores Zetec Rocam Flex.

Carol Couto disse...

Motor bom para mulher se não tiver tanta coisa que algum mecânico pilantra possa usar para ficar mentindo e deixar a conta da oficina mais cara.

Anastacio Gomez disse...

Yo tuve una Yamaha DT 125 pero fue mi única experiencia con los 2T. Debe ser un tanto curioso manejar un automóvil con motor 2T, o entonces un sport-utility como el Chevrolet Captiva.

Jéssica Bastos disse...

Eu tive um colega de faculdade que é doido por esse tipo de motor. Lembro até de uma vez que nós e mais outros colegas estávamos num intervalo de aula e ele viu um desses DKW passando perto e saiu tentando correr para alcançar e tirar uma foto do carro mas acabou não conseguindo e quando ele estava voltando aonde nós estávamos eu fui perguntar que carro era aquele e sem saber do que se tratava qual seria o problema do motor por causa daquela fumaça e ele então explicou que era desses 2 tempos e até falou dessa questão do álcool e de usar óleo de mamona.

Jeffrey Benigno disse...

Un motor 2T no quedaria mal a los nuevos híbridos que hoy son más pesados que los autos más convencionales.

Leonardo Dueñas disse...

Colocações muito interessantes, mas acho que todos estes bons argumentos batem de frente com a questão do marketing da coisa. Que montadora hoje arriscaria suas fichas em equipar sua linha com motores 2T?

Na era do verde, onde todos se esquecem que a maioria dos carros elétricos no mundo serão abastecidos queimando carvão em termoelétricas (as verdadeiras vilãs da poluição), acho que seria um suicídio comercial ressuscitar o 2T nos automóveis. Acabaria num prato cheio para a concorrência 4T com suas tecnologias híbridas limpadoras de consciência de consumidores de alto padrão.

A única saída viável para o 2T ao meu ver é fazê-lo, além de muito eficiente em emissão e consumo, também em custo/preço final. Se for razoavelmente mais barato de comprar, além de manter e de abastecer, essa querida tecnologia pode sim ter uma segunda chance.

Abraço,
Leo
http://motonetaseafins.blogspot.com/

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Leo, o fator custo seria o principal para incentivar um retorno do motor 2T ao mercado. Se fosse mantida a lubrificação como nos 4T já simplificaria o layout do motor e poderia até viabilizar o uso de uma bomba de óleo menor e que necessitasse de menos força do motor, já que não teria que dar conta de todo um sistema de válvulas. Fora isso, viabilizando o uso de motores de cilindrada menor seria possível se beneficiar de políticas tributárias como a que beneficia os carros 1.0 e outros segmentos até 2.0L.

Anônimo disse...

Tenho o motor dois tempos com lubrificação independente e injeção direta de combustível, é o arranjo mais próximo e viável a trazer as mesmas vantagens do velho 2t sem as mazelas. chacam5@hotmail.com
Eymard - Brasília/DF

Unknown disse...

O único jeito de fazer um motor 2t com lubrificação direta com bomba de óleo e cárter seria fazer ele com dois cilindros um com o diâmetro um pouco maior do que o outro, um seria o compressor e o outro seria o motor em si se alguém quiser comentar ou da outra idéia eu agradeço. ...

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Ao invés dum compressor a pistão, faria mais sentido um blower como o normalmente usado nos motores Diesel 2-tempos. Dá uma olhada nos Detroit Diesel antigos (séries 51, 53, 71, 92 e tem outras que ficaram mais restritas a aplicações alheias ao segmento automotivo).

Unknown disse...

Boa tarde... Chegaram a ler sobre o motor 2t a diesel? como exemplo o motor detroit... Que equipou vários caminhoes, tendo muito giro e potencia. Possui óleo no carter, injeção diesel direta e uma turbina botando pressão. Espero ter colaborado, abraço!

Unknown disse...

Ao meu ver esse é o caminho...Injeção direta, oleo no carter e turbo compressor... Abraço!

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Não só os da Detroit Diesel como também os da antiga Nissan Diesel, atual UD. Mas neles o turbo era opcional, o que era realmente imprescindível era o compressor mecânico (blower), tendo em vista que não tinham pressão de admissão suficiente. Não se pode esquecer também dos motores de pistões opostos, como o Rootes TS3 usado em caminhões e ônibus Commer britânicos, alguns motores aeronáuticos da Junkers, e os Fairbanks-Morse Model 38 muito usados em aplicações estacionárias/industriais e náuticas nos Estados Unidos inclusive servindo até a atualidade como backup nos submarinos nucleares.

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