sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Ré em motos: mais útil do que poderia inicialmente parecer

Um assunto que sempre acaba fomentando polêmicas quando o assunto é moto, a disponibilidade de marcha-à-ré em alguns modelos mais sofisticados como a Honda Gold Wing é um daqueles aparentes "excessos" que na prática se revela até bastante adequado. O peso elevado, característica comum não só à Gold Wing mas também a outras motocicletas turísticas de grande cilindrada, acaba se tornando um empecilho na hora de executar pequenas manobras ao estacionar, especialmente quando houver desníveis ou irregularidades no pavimento. Portanto, a facilidade de contar com a ré pode contribuir para uma experiência de condução mais prazerosa ao acarretar num desgaste físico menos severo para o piloto.
O sistema usado para prover reversão na Honda Gold Wing, e em outras motos com transmissão final por eixo cardã como a BMW K1600GTL, usa o próprio motor-de-arranque para movimentar a moto nas pequenas manobras limitadas por segurança à velocidade de um homem em passo. Se por um lado exige-se que tal componente seja mais reforçado e tenha um outro acoplamento específico para essa função, por outro evita um acréscimo de peso e atritos internos no câmbio original que seriam necessárias para inclusão da marcha-à-ré totalmente mecânica, além do acoplamento direto do motor-de-arranque ao eixo cardã não acarretar desgaste da embreagem durante o uso da ré. É importante lembrar que, para evitar danos ao sistema ou até acidentes graves, a função de reversor só pode ser usada quando o câmbio estiver em neutro (vulgo "ponto morto").
Diga-se de passagem, no caso da BMW série K, a posição transversal do motor (com referência pelo sentido do virabrequim) e por conseguinte do câmbio soa como um desafio a mais para a estratégia de usar o motor-de-arranque como reversor. Nada que seja tecnicamente impossível de resolver, mas a angulação entre o eixo cardã e o eixo secundário do câmbio torna um pouco mais complicado fazer o acoplamento do motor elétrico para desempenhar ambas as funções, ao contrário do que ocorre em modelos com motor longitudinal como a já citada Honda Gold Wing ou a BMW R1200RT. Portanto, considerando que a série K já conta com marcha-à-ré em algumas versões, chega a ser surpreendente que a série R não conte com essa funcionalidade nem ao menos como opcional.

No caso das motos mais básicas, em que predomina a transmissão final por corrente, fica mais difícil reaproveitar o próprio motor-de-arranque (quando disponível) também como reversor, e portanto o jeito aparentemente menos problemático de adaptar marcha-à-ré seria adicionando um motor elétrico (pode até ser originalmente um motor-de-arranque) exclusivamente para tal finalidade. É improvável que um motoboy que trabalhe com uma Honda CG 125 Cargo,  por exemplo, chegue a sentir falta de ré, e muito menos se disponha a lidar com a complexidade que seria invariavelmente agregada pela instalação de um reversor, mas em algumas motos pequenas transformadas em triciclo utilitário seria impossível negar que a marcha-à-ré traria uma maior comodidade.

Cabe destacar o caso de triciclos utilitários, geralmente de fabricação chinesa e que costumam usar motores copiados da Honda, mas substituem a transmissão secundária de corrente pelo eixo cardã. Embora passem a contar com um reversor mecânico ao invés de recorrer ao uso do motor de arranque para desempenhar a mesma função, nesse aspecto já saem em vantagem diante de tantas adaptações feitas no Brasil a partir de motos comuns. Naturalmente, o fato de hoje o câmbio ser integrado ao cárter do motor na maior parte das motos dificultaria intervenções mais extensas para incorporar uma marcha-à-ré de acionamento mecânico totalmente integrada ao câmbio original, bem como eventuais dificuldades para montar um mecanismo de engate seguro e suficientemente preciso, de forma que não há outra alternativa que não um reversor mecânico externo acoplado ao eixo de saída do câmbio como no caso dos triciclos chineses ou um motor elétrico auxiliar especificamente para a ré.

A maior aceitação do side-car junto a uma parte considerável dos motociclistas brasileiros, não só nas aplicações para transporte urbano de carga mas também como opção para levar um passageiro com mais conforto e segurança, abre outra possibilidade para que se dê mais atenção à possibilidade de instalar reversores em motocicletas. Como seria de se esperar, o side-car altera drasticamente a forma de pilotar a moto e, apesar de também não chegar a se igualar a um carro, acaba comprometendo a facilidade para manobrar em espaços mais restritos. A própria fixação do side-car ao chassi da moto, com alguns pontos de apoio próximos à pedaleira direita do piloto, limitam em demasia o espaço para movimentação da perna direita ao empurrar a moto para trás, fazendo com que estacionar ou sair de algumas vagas torne-se ainda mais difícil.

Outro exemplo que fomenta discussões quanto à viabilidade da adaptação de reversor em motos é justamente o das Harley-Davidson, por serem pesadonas e acabarem atraindo um público de idade cada vez mais avançada que já começa a ter mais dificuldade para estacionar em desníveis ou superfícies menos firmes. Para a série Sportster, por ter o câmbio integrado ao cárter, fica mais difícil incorporar um reversor mecânico e portanto adaptações valendo-se de um motor elétrico auxiliar sejam mais facilmente executáveis, ao passo que nas "big-twins" a carcaça do câmbio separada ainda facilita a adaptação de reversores totalmente mecânicos que já podem inclusive ser encontrados no Brasil. Além de equipamentos importados abrangendo tanto câmbios antigos de 5 marchas quanto o atual de 6, já é produzido no país um kit denominado "Reverse Chief" para adaptação no câmbio de 6 marchas.


Além de aplicações utilitárias/comerciais e recreativas, e levando em consideração o menor custo operacional em comparação a um carro como o principal atrativo para que as motos de pequena cilindrada atraiam muitos consumidores que antes nem sequer as cogitassem como uma opção, a marcha-à-ré também acabaria por acrescentar maior comodidade quando convertidas em triciclo para deficientes físicos. Naturalmente, o custo ainda é o fator que mais inibe a presença da ré em motos, com um impacto até mais exacerbado sobre o preço final no caso dos modelos mais simples. No entanto, apesar de um eventual ceticismo entre uma parte considerável dos motociclistas e de dificuldades técnicas, a ré em motos é de fato mais útil do que poderia parecer.

Um comentário:

Yan disse...

Já vi esses kits de marcha ré para as Harley-Davidson. Para os coroas fica na medida, mas eu mesmo que não tivesse problema na perna e comprasse uma Harley ficaria tentado a adaptar ré só pela comodidade.

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