No segmento recreacional, ainda que alguns motociclistas mais "ortodoxos" resistam aos apelos de uma maior estabilidade e conforto, triciclos de concepção moderna como o Can-Am Spyder atraem quem aprecie a sensação de liberdade e contato com os elementos pelo trajeto fortemente associada às motocicletas, contando com versões tanto de apelo mais esportivo quanto turístico. A largura total, impedindo o uso dos "corredores" entre as faixas de rodagem, não deixa de se tornar até certo ponto um inconveniente em algumas situações de trânsito intenso, enquanto uma moto pode se desvencilhar mais facilmente dos engarrafamentos e ganhar mais tempo para cair na estrada. Mas ao contrário de triciclos utilitários, os modelos recreacionais ainda encontram um público bastante cativo, podendo ser feita uma analogia com a situação dos carros conversíveis que também são tratados pelo mercado brasileiro como um mero "brinquedo" ainda que possam eventualmente atender à maior parte das necessidades de transporte privado de alguns usuários.
Triciclos utilitários de origem italiana derivados das pioneiras scooters Vespa e Lambretta, no caso o Vespacar que nada mais era do que uma versão brasileira do Piaggio Ape e o Lambrecar que seria o equivalente ao Innocenti Lambro, chegaram a encontrar um momento de popularidade especialmente durante os anos '60 após demonstrarem um grande valor no esforço de reconstrução da Itália e demais países europeus devastados pela guerra. Já no Brasil, nem mesmo a onda desenvolvimentista em meio ao regime militar foi capaz de promover uma maior inserção dos triciclos em segmentos que a indústria automobilística instalada no país não atendia tão adequadamente, principalmente nas metrópoles que estavam em plena expansão durante o chamado "milagre econômico" brasileiro e cujo crescimento desordenado agravava as dificuldades de mobilidade nos becos das favelas e nas vielas estreitas dos centros históricos. De fato, ambos os modelos tem uma vocação essencialmente urbana, salientada pela pequena capacidade do tanque de combustível e velocidade máxima na faixa de 60km/h desincentivando percursos rodoviários mesmo numa época em que as principais rodovias tinham limites de velocidade mais modestos.
Ainda que os motores 2-tempos então predominantes nas scooters e derivados fossem relativamente fáceis de "fuçar" para alcançar velocidades compatíveis com o tráfego rodoviário, e as plataformas dos triciclos oferecessem uma certa liberdade para adaptações de acordo com as necessidades dos usuários tanto para aplicações meramente utilitárias/comerciais quanto num uso misto. Mesmo para quem pudesse se dar por satisfeito com o desempenho original, e se beneficiar de um consumo de gasolina modesto para os padrões da época, havia um certo comodismo em torno do baixo preço dos combustíveis que influenciava o grande público a tratar os triciclos como uma mera curiosidade ou como uma "gambiarra" tecnicamente inferior a um carro mais convencional. Assim, qualquer carro compacto da época como o Renault Gordini passava a fazer mais sentido aos olhos dos pobres mesmo quando já estivesse usado e de uma classe média em ascensão que podia se dar ao luxo de comprar um 0km, buscando num veículo motorizado não apenas o aspecto prático mas, principalmente, uma afirmação de progresso econômico pessoal e/ou familiar.
A crise do petróleo na década de '70 fez com que a cultura motociclística brasileira passasse a não ser tão voltada quase que exclusivamente ao uso recreacional, com a Honda desafiando a hegemonia da Vespa nos segmentos de entrada a partir da chegada da CG 125. A agilidade de uma moto em meio ao trânsito cada vez mais intenso e a facilidade para estacionar se mostram convidativas até hoje, mas de certa forma acabou fomentando a consolidação da percepção dos triciclos como uma junção das desvantagens da moto no tocante à segurança e conforto com a menor manobrabilidade de um carro. Assim, mesmo que um triciclo pudesse representar também um meio-termo entre o baixo custo operacional de uma motocicleta e as capacidades de passageiros e bagagem de um carro pequeno, ficava bastante difícil tentar desafiar o reinado do Fusca...
Triciclos utilitários encontraram um novo momento de relativa popularidade a partir de 2001, quando a Kasinski deu início à importação de alguns modelos indianos produzidos pela Bajaj que eram na prática uma atualização do antigo Piaggio Ape/Vespacar equipados com motor 4-tempos, tanto em versões de carga (MotoKar) como a da foto acima quanto de passageiros (Táxi-Kar) como a que abre o artigo. O custo era atrativo diante de utilitários mais convencionais de 4 rodas, bem como o baixo consumo de gasolina, mas a vocação essencialmente urbana tornou-se novamente o calcanhar de Aquiles e fez com que as importações fossem encerradas por volta de 2004. Ainda que os pequenos triciclos fossem uma alternativa na medida certa para algumas empresas ou mesmo uma oportunidade de negócio para empreendedores, infelizmente não tiveram uma aceitação tão expressiva por um público mais amplo que dá preferência a veículos que oferecem um desempenho compatível não só para a cidade mas também para rodovias como é o caso das pick-ups pequenas que já se tornaram uma "tradição" brasileira.
A falta de opções mais adequadas fez com que conversões de motos em triciclo, feitas principalmente com a linha da Honda CG 125 e 150 e imitações de origem chinesa, conquistassem uma participação mais expressiva no mercado. Ao menos em Porto Alegre, houve um surto de popularidade iniciado por volta de 2008 a 2011, com alguns remanescentes dessa época ainda em serviço principalmente na entrega de botijões de gás de cozinha e garrafões de água mineral. Naturalmente, o cockpit totalmente aberto como na moto original não é tão confortável ou seguro, expondo o condutor não só aos fatores climáticos adversos mas também a outros eventuais riscos como ser atingido por objetos e detritos arremessados em direção ao veículo de forma acidental ou até intencional. O uso para transporte individual, com a possibilidade de levar um passageiro, não é tão frequente como nos triciclos de maior cilindrada desenvolvidos para fins recreativos, mas encontrou alguma receptividade principalmente por deficientes físicos.
Para alguns potenciais usuários que não sejam muito familiarizados com motocicletas, e às vezes nem tenham qualquer interesse em adicionar a categoria A na carteira de habilitação pelas mais diferentes razões, triciclos com cockpit de padrão automobilístico até podem se tornar uma alternativa viável. Já tornaram-se populares na China, onde se encontram a maioria dos fabricantes desse tipo de veículo, e tem ganhado espaço em países vizinhos como o Uruguai e a Argentina, enquanto a inserção no Brasil ainda vai a passo de tartaruga. Talvez o principal empecilho seja uma eventual dificuldade de ordem burocrática, visto que os comandos semelhantes aos de um carro convencional acabam destoando do que normalmente se vê nos triciclos, o que dá margem a indefinições quanto a qual classificação seria mais coerente não só para fins de habilitação mas também no âmbito do enquadramento em normas de segurança. Países como os Estados Unidos e a Inglaterra permitem a condução de triciclos com carteira de habilitação para moto sem distinção entre a configuração dos comandos, de modo que a exigência de equipamentos de segurança para veículo e condutor (e passageiros quando aplicável) é basicamente a mesma das motos, embora nos modelos com cabine fechada devidamente dotados de cintos de segurança seja dispensado o uso do capacete (no Brasil ainda se exige o capacete quando o veículo for trafegar em rodovias estaduais ou federais). Ainda seria mais provável que uma eventual norma brasileira adotasse uma harmonização com o padrão adotado pelo Uruguai, fazendo distinção entre os triciclos com guidon que são classificados como assemelhado a moto e os com volante que passam a ser legalmente um carro.
Um problema que se originou dessa questão foi a impossibilidade para homologar e licenciar alguns triciclos chineses importados pela empresa catarinense Hedesa, tendo em vista que a configuração de cabine semelhante à de uma pick-up de pequeno porte subsidiaria um entendimento semelhante ao que foi definido no Uruguai, e assim seria aplicável no Brasil a obrigatoriedade de equipamentos como freios ABS, airbag duplo, e futuramente controle de estabilidade. Tendo em vista que um dos principais argumentos de vendas para um triciclo utilitário é essencialmente o custo de aquisição mais baixo, a inclusão de alguns dispositivos de segurança que não são exigidos em motos trouxesse um impacto proporcionalmente maior sobre os preços em comparação ao que ocorreu a partir de 2014 no mercado automobilístico. Assim, diante da percepção equivocada por parte dos consumidores com relação a uma suposta "inferioridade" técnica das motos e assemelhados, infelizmente acabou por se tornar comercialmente inviável a proposta de um cockpit com padrão automotivo, de modo que os triciclos continuem exercendo mais atração sobre quem já tenha experiência prévia com motocicletas ou procure por uma alternativa com mais estabilidade e capacidade de carga.
Em meio a tudo o que se tem falado em torno da "sustentabilidade" e da economia de combustível, é fundamental que o brasileiro passe a reconhecer os triciclos como uma opção de transporte mais econômica, eventualmente indo além do transporte de cargas onde se tornou mais comum. O alto preço dos carros "populares" novos, cada vez mais distante da proposta original da categoria, também soa convidativo ao uso de triciclos para levar passageiros. Enfim, é preciso deixar de lado a "síndrome de vira-lata", e reconhecer os benefícios econômicos, ecológicos e sociais que um transporte barato e relativamente seguro possa trazer ao invés de tratar como "gambiarra"...
3 comentários:
Acredito eu que se tivesse desses triciclos fechados com capacidade de se manter numa velocidade compatível tanto na cidade quanto na estrada e com um tanque de gasolina de pelo menos 30 litros, conseguiria vender bem para quem só compra carro por "obrigação" já que não quer ou não pode andar de moto.
Sim, de repente pudesse atender quem hoje procura por qualquer "appliance car" que não empolga mas também não decepciona.
Se não fosse por essa questão cultural mesmo, seria de se esperar ver mais triciclos nas grandes cidades.
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