Cabe destacar que o primeiro modelo de carro efetivamente reconhecido como de fabricação nacional recorria justamente ao motor 2-tempos. A inesquecível Vemaguet, embora desafiasse a concepção predominantemente americana com a qual a grande maioria dos brasileiros havia se acostumado, não só pelo motor 2-tempos mas também pela tração dianteira que ainda estava longe de se consolidar como unanimidade nos automóveis nacionais (naturalmente excluindo desse contexto os soft-roaders com tração nas 4 rodas que só servem para as peruas desfilarem no estacionamento do shopping), foi até certo ponto injustiçada por um mercado que nem ao menos tentava compreender peculiaridades do motor 2-tempos como a necessidade de acrescentar óleo à gasolina, embora na região Sul tenha até a atualidade uma legião de admiradores. Afinal, o que é a paz de espírito de não precisar trocar uma corrente de comando de válvulas nem ter que se desfazer de óleo lubrificante usado diante desse pequeno inconveniente???
A bem da verdade, não seria de todo errado atribuir à Volkswagen uma influência sobre o mercado, tendo em vista que ao comprar a Auto Union na Alemanha e a Vemag no Brasil já tratou de encerrar precocemente a trajetória dos DKW a partir de '67 e consolidar a prevalência dos motores 4-tempos no segmento automotivo. No caso brasileiro especificamente, a anterior insistência da Volkswagen em não oferecer automóveis com 4 portas fez necessário que se buscasse um sucessor indireto para os derivativos locais do DKW F94 como o sedan DKW-Vemag Belcar, e assim surgiu no final de '68 o Volkswagen 1600 4 portas, conhecido popularmente como "Zé do Caixão" e que fez mais sucesso entre os taxistas do que junto ao público mais generalista. Desde então, nunca mais nenhum carro equipado com motor 2-tempos conseguiu obter sucesso comercial no Brasil.
Considerando que até '76 ainda havia relativa facilidade para importar carros, e que mesmo durante o regime militar havia intercâmbio comercial entre o Brasil e alguns países da cortina de ferro como a antiga Alemanha Oriental, até poderia acontecer de algum
No caso do Samurai, enquanto o motor 2-tempos concorria na própria linha com um 4-tempos dotado de turbocompressor e 543cc que também não chegou oficialmente ao Brasil, cabe observar algumas peculiaridades que vão além do controle de emissões mas auxiliaram a consolidar o motor 4-tempos. A necessidade de um sistema de lubrificação pressurizado e com recirculação do óleo já faz com que o turbo seja mais adequado aos motores 4-tempos, tendo em vista a necessidade de manter o eixo do rotor adequadamente lubrificado e pelo óleo também acumular também a função de refrigeração da carcaça central do turbocompressor. E mesmo que o consumo ficasse um tanto mais alto por se fazer necessário um enriquecimento da mistura ar/combustível nos motores turbocomprimidos antigos, tanto os equipados com carburador quanto os dotados de injeção eletrônica no coletor de admissão, ao considerarmos que os motores 2-tempos sofriam com a perda de mistura crua pelo escapamento ainda havia uma vantagem para o 4-tempos turbo devido à pressão absoluta no coletor (MAP - Manifold Absolute Pressure) mais constante mesmo ao trafegar por diferentes altitudes assegurar um menor prejuízo ao desempenho nessas condições.
Já nas motos o motor 2-tempos teve uma sobrevida mais prolongada, com modelos como as Yamaha RD 135 permanecendo em catálogo no país até '99 e as DT 180 saindo de linha em '97 enquanto as DT 200 R foram oferecidas até o ano 2000, sem levar em conta outros países onde ainda se encontra DT 0km. A relativa facilidade para fazer modificações de baixo custo com o intuito de incrementar o desempenho, eventualmente recorrendo-se até ao uso de etanol com óleo de base vegetal para kart, não deixa de ser até hoje um atrativo para alguns entusiastas tanto em competições oficiais quanto em rachas ilegais disputados em vias públicas. No entanto, o consumo de combustível relativamente alto e a rede de concessionárias menor que a da Honda levaram o mercado motociclístico brasileiro a ficar mais receptivo aos motores 4-tempos principalmente a partir da 2ª metade da década de '90. Outro ponto digno de nota é que muitos brasileiros consideravam inconveniente a necessidade de adicionar óleo à gasolina para uso em motores 2-tempos ao invés de simplesmente trocá-lo periodicamente num 4-tempos, enquanto no sudeste asiático e mesmo em alguns países vizinhos como a Colômbia se desenvolveu uma forte cultura em torno principalmente das DTs antes que começassem a ser impostas restrições à circulação de motos com motor 2-tempos em Bogotá.
É preciso entender que os motores 2-tempos, não sendo dotados de válvulas de admissão e escape, dependem do movimento do pistão para fechar as janelas de transferência da mistura ar/combustível entre o cárter e os cilindros e as de escape, acabam por facilitar a fuga da mistura tendo em vista que o escape e a transferência subsequente ocorrem durante o mesmo tempo. Enquanto nos motores 4-tempos, apesar de ocorrer um fenômeno semelhante durante o "cruzamento de válvulas", a simples presença das mesmas e a presença hoje mais maciça dos comandos de válvula variáveis acabou por minimizar o problema durante uma faixa mais ampla de rotações, enquanto nos 2-tempos o dimensionamento das câmaras de reflexão incorporadas ao escape de alguns desses motores para forçar um retorno da mistura crua tende a ser otimizado para um regime específico, e naturalmente interfere também nas respostas à aceleração. Posteriormente ganhou espaço a injeção direta, que ainda hoje se faz mais presente em motores marítimos como na linha Evinrude E-TEC, e diminui as emissões de hidrocarbonetos crus tendo em vista que a gasolina é dosada numa quantidade exata já depois que as janelas de escape estão fechadas, de modo que só o ar e o óleo passam pelo cárter e fazem a transferência. Com uma diluição menos intensa do óleo lubrificante, uma menor quantidade do mesmo pode ser usada, além do consumo de combustível também ficar mais contido.
Dada a sensível diferença nos fluxos internos entre motores 2-tempos e 4-tempos, um dos recursos mais comuns para controle das emissões de NOx nas gerações atuais de motores automotivos podem não servir adequadamente. A recirculação de gases de escape (EGR - Exhaust Gas Recirculation) foi desenvolvida especificamente em função do ciclo Otto, embora hoje também atenda às necessidades de motores Diesel, mas com o fluxo de admissão não passando pelo cárter nesses casos já não há um risco de contaminar ou acidificar o óleo lubrificante como pode haver num 2-tempos. Tendo em vista que não só o óleo lubrificante ao ser queimado durante o processo de combustão forma resíduos, mas que a injeção direta também vem sendo apontada como responsável por incrementar a emissão de material particulado fino em motores do ciclo Otto, ficaria ainda mais complicado evitar o acúmulo de impurezas nos mancais de virabrequim, nos moentes de biela e nos pinos de pistão caso fosse incorporado esse método para manter os NOx dentro dos parâmetros exigidos por lei. Por outro lado, a recente incorporação de sistemas originalmente desenvolvidos para motores Diesel como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) em versões a gasolina de alguns veículos da Volkswagen como o Tiguan não deixa de fomentar expectativas para que uma estratégia semelhante possa encontrar aplicabilidade em motores 2-tempos e assegure a continuidade dos mesmos por mais algum tempo em segmentos com normas de emissões menos severas que no automotivo.
Naturalmente, pode parecer bizarro sugerir que a marca responsável por condenar a uma espécie de "morte comercial" os motores 2-tempos no mercado automobilístico possa inspirar um eventual retorno dos mesmos, além do mais diante da massificação do turbo não só em modelos como o Tiguan que o traz de série mas também em outros como o up! que contam com esse recurso como opcional. As novas regulamentações ambientais, e uma imagem de "sujos" que se consolidou em torno dos 2-tempos constituem um desafio à parte, mesmo que possam ser beneficiados já pelo uso de biocombustíveis associados a óleos lubrificantes de base vegetal que ainda são uma incógnita para os 4-tempos. Enfim, apesar de não serem de todo mal, os motores 2-tempos hoje estão longe demais de poderem agregar suas vantagens às novas gerações de automóveis.
3 comentários:
Meu primeiro carro foi uma Vemaguet, mas o motor dela tinha sido trocado pelo de um Corcel. Com motor 2 tempos mesmo a minha única experiência foi numa moto Agrale que um primo meu teve. Eu até gostava de moto 2 tempos, mas hoje podendo escolher eu ficaria com uma 4 tempos mesmo.
Me acuerdo de los Suzuki SJ413 ensamblados en España, pero igual solo me acuerdo del motor 4 tiempos.
El primer Suzuki Jimny (o Samurai como lo quieras) que vi en mi vida tenia motor de 2 tiempos, importado de 2da mano desde Japón. Te voy a decir que no deben ser de todo malo si los arreglan inyección directa, como en los kits Envirofit que se lo adaptaban a unas motos viejas en las Filipinas, pero hoy no veo mucho futuro a ese tipo de motor.
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