terça-feira, 17 de julho de 2018

Fusca ou Citroën 2CV: qual projeto é de fato mais genial?

A popularidade do Fusca no Brasil dispensa maiores apresentações, e até a atualidade o modelo é reconhecido como um ícone no país, mas a hegemonia da Volkswagen em meio a um mercado pouco competitivo como foi o caso brasileiro até a década de '90 pode ter seus méritos questionados devido à falta de uma concorrência mais forte que marcava presença no exterior. Naturalmente, as condições de rodagem severas do país não seriam tão convidativas para alguns modelos que já foram projetados quando a reconstrução européia avançava a passos largos e que podiam se dar ao luxo de apostar numa vocação mais urbana e rodoviária, de modo que não seria possível abrir mão de uma aptidão off-road moderada para atender às necessidades de habitantes das zonas rurais e das periferias. Talvez o sucesso do Citroën 2CV na vizinha Argentina possa fomentar a discussão em torno de qual projeto possa ser considerado efetivamente mais genial.
A favor do 2CV, pode-se destacar até mesmo o motor. No exemplar das fotos, feito na Argentina já na fase em que o modelo era denominado oficialmente 3CV naquele país por usar o motor de 602cc, o desempenho pode não parecer espetacular para os padrões modernos mas, por incrível que pareça, é de uma simplicidade que o torna até mais fácil de cuidar que um motor de Fusca. Com só 2 cilindros, ambos horizontais como também o são os 4 cilindros do Fusca, havia uma menor quantidade de peças móveis, e como ambos os pistões atingiam os pontos mortos ao mesmo tempo apesar de operarem em fases distintas (enquanto o cilindro nº 1 estava na admissão o nº 2 estava no tempo de potência, e também alternavam-se os tempos de compressão e de escape) era possível dispensar o distribuidor ao usar uma ignição wasted-spark, que gerava centelha para ambos os cilindros simultaneamente. Esse tipo de ignição costuma ser mais comum em motos, dada a quantidade de cilindros usualmente menor e a possibilidade de sincronizar a ignição pelo movimento do virabrequim através do magneto sem precisar ocupar mais espaço ao redor do comando de válvulas nem acrescentar mais partes móveis. De fato, é um sistema questionável por conta de uma eventual redução da vida útil das velas, mas tê-las numa quantidade menor já fazia com que o custo de uma reposição não fosse tão mais pesado em comparação ao Fusca, isso para não falar numa menor sensibilidade a fatores ambientais como a umidade e o menor desgaste mecânico em comparação a um sistema dotado de distribuidor.
A ausência de juntas de cabeçote, característica comum a motores aeronáuticos com disposição de cilindros semelhante, é outra característica que proporciona facilidade de manutenção, bem como a ausência de um sistema termostático de desvio (bypass) do radiador de óleo. Se por um lado pode parecer problemático e dificultar o gerenciamento térmico do motor, por outro se tem uma válvula a menos para dar problemas que acarretem num eventual superaquecimento, sendo possível recorrer a um defletor removível como o usado nos aviões de instrução Aero Boero para desviar o ar de impacto ao operar em clima frio. O sistema de ventilação do cárter que gera vácuo também é interessante, tendo em vista que reduz a ocorrência de vazamento de óleo ao proporcionar um selo pneumático caso as juntas de cárter apresentem falha durante a operação. Embora o motor e tração dianteiros causem um contraste notável com o Fusca, que teve no motor e tração traseiros um forte argumento de vendas em função da percebida capacidade de incursão off-road quando comparado a modelos de motor dianteiro e tração traseira como o Chevette, o 2CV não passava tanto apuro em terreno não-pavimentado. A posição do motor também acabava facilitando o acesso ao bagageiro pelo lado de fora, e a carroceria de 4 portas fazia com que fosse ainda mais cômodo em comparação ao "chiqueirinho" do Fusca.
A presença pouco expressiva da Citroën no mercado brasileiro antes que as importações fossem restringidas em '76 fez com que os méritos do 2CV não fossem tão reconhecidos por aqui como foram na Argentina, onde até mesmo uma maior aproximação cultural com países europeus poderia ter fomentado a receptividade a modelos de concepção mecânica ainda mais minimalista que a do Fusca. O motor ainda mais modesto do 2CV poderia suscitar dúvidas quanto a uma aptidão a operar com sobrecarga, condição que pode parecer menos desafiadora para o Fusca, ainda que já estivesse apto a proporcionar desempenho satisfatório no uso cotidiano e eventuais viagens. Enfim, o tema é polêmico e pode suscitar conclusões mais passionais que objetivas, mas não seria justo ignorar aspectos nos quais o Citroën 2CV de certa forma se sobressaia diante do Fusca, e possa até ser visto como um projeto mais genial.

2 comentários:

Joel disse...

A grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa.

Ricardo disse...

Nunca tinha parado para pensar nisso, mas realmente o 2CV só não poderia ser considerado 100% mais adequado que o Fusca para as necessidades brasileiras por conta do motor subdimensionado.

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