domingo, 19 de agosto de 2018

Rápida observação sobre a adaptabilidade de motores de moto em carros

Com muitos exemplos de automóveis adaptados com motor de moto disponíveis no YouTube, e das motos transformadas em triciclo utilitário que podem ser vistas Brasil afora, em alguns momentos e
pode parecer tentadora a possibilidade de adaptar um motor menor (e muito mais leve) que de carros "populares" com o intuito de eventualmente economizar gasolina e também valer-se ou da farta oferta de peças de reposição para modelos como a Honda CG 125. Naturalmente, diversos fatores influem no rendimento de um motor, como o peso total e a aerodinâmica dos veículos aos quais se apliquem, além das faixas de rotação de potência e torque e como as relações de marcha proporcionem um bom aproveitamento em variadas condições de tráfego. Pode até não ser muito fácil obter um desempenho ao menos próximo ao que o motor original do veículo a ser adaptado ofereça, especialmente quando a diferença de cilindrada seja muito exacerbada.
Não é incomum que os motores de moto apresentem faixas úteis de rotação mais largas comparadas à de um motor automotivo, o que pode até viabilizar adaptações desde que seja levado em consideração o efeito das relações de marchas e diferencial para que a velocidade na roda fique mais parelha entre o veículo original e um que venha a ser repotenciado. É necessário, primeiramente, considerar que as relações de marcha representam quantas rotações do motor seriam necessárias para o eixo de saída do câmbio efetuar uma rotação completa, definição aplicável também ao diferencial no caso dos carros e à relação de coroa e pinhão normalmente usada em motos com transmissão final por corrente ou por correia. Logo, uma relação numericamente mais alta como 3,43:1 será mais curta (ou "reduzida") que outra numericamente menor como 2,83:1, que são definidas pela divisão entre os números de dentes das engrenagens onde a força motriz entra no sistema pelo número de dentes na última engrenagem antes que se aplique a rotação resultante às rodas, multiplicando o torque efetivo.
Se por um lado o motor de uma motocicleta utilitária de 125cc não me pareceria apto a proporcionar desempenho aceitável nem mesmo a um carro "popular", visto que também se observa uma eventual necessidade de percorrer trechos rodoviários num veículo que frequentemente ainda é o único do qual dispõe um núcleo familiar, por outro o motor de uma moto média ainda que com cilindrada inferior à da grande maioria dos automóveis se mostraria menos deficiente nesse aspecto. Não seria totalmente descabido, por exemplo, que alguém chegasse à conclusão de que o motor de uma moto Honda CB 500 do modelo antigo seja "suficiente" para um Opel/Chevrolet Corsa em substituição ao motor de 1.0L de 8 válvulas e baixa compressão original, levando em conta a potência declarada apenas 10% menor na moto (54cv contra 60cv), ainda que uma análise mais profunda com relação ao torque e à faixa de rotação se faça necessária. Nesse caso, em que pesem outras diferenças como a quantidade de válvulas por cilindro, o suprimento de combustível (2 carburadores na CB 500 e injeção eletrônica multiponto no Corsa), além do torque por volta de 43% menor na moto, seria possível compensar por meio de uma relação de transmissão final mais curta de modo a manter uma velocidade de cruzeiro compatível com o tráfego tanto urbano quanto rodoviário mesmo que a velocidade máxima possa não se manter no mesmo patamar original. Já a economia de combustível, considerando a quantidade de ciclos de combustão ao se manter regimes de rotação mais elevados para alcançar uma determinada velocidade com um motor com praticamente a metade da cilindrada do original, possa não ser sempre favorecida.

Mesmo um carro não tão pequeno, como um Chevrolet Cruze, também poderia de forma até certo ponto surpreendente ao menos funcionar caso fosse adaptado com motor de moto no lugar do original por alguma razão. Enquanto no Brasil a 1ª geração do modelo foi oferecida exclusivamente com o motor Ecotec de 1.8L e câmbios de 6 marchas tanto no manual quanto no automático, em outros mercados dispôs de outras opções de motor como um Ecotec de 1.6L que até pouco tempo atrás ainda era o único disponível em alguns mercados da África e do sudeste asiático onde se comercializava o modelo feito na Tailândia. Infelizmente fica difícil encontrar valores de potência e torque informados com a necessária precisão para fazer um cálculo de quanta redução intermediária se faria necessária para que ao menos na roda o pico de torque seja aplicado numa rotação mais parelha. Considerando os parâmetros declarados em Angola, onde o Cruze tem listado um torque de 155 Nm a 4200 RPM, caso fosse economicamente viável separar o motor de uma moto como a Honda CB 600 F Hornet de 2ª geração do câmbio original da mesma para que fosse usado só o do carro, seria possível por meio de uma redução intermediária de 2,5:1 converter o torque de 63,5 Nm a 10500 RPM para algo como 158,75 Nm a 4200 RPM. Como já seria viável manter velocidades de cruzeiro compatíveis com o tráfego tanto na cidade quanto na estrada (1,875:1), uma relação mais alta para compensar na roda a diferença nas rotações de picos de potência (eventualmente sacrificando a multiplicação do torque) que se situam a 12000 RPM na Hornet (102cv) e 6400 RPM no Cruze (124cv), acabaria sendo pouco significativa para efeitos práticos.

Algumas motos de alta cilindrada, como as Harley-Davidson "Big Twin", costumam apresentar faixas de rotação mais próximas às observadas em automóveis, e já seriam suficientes para movimentar sem maiores dificuldades um carro da mesma faixa de cilindrada. Apesar da potência e torque específicos menores, bem como das faixas de rotação dos respectivos picos de potência e torque também serem mais baixos numa comparação a motores automotivos modernos, o Twin Cam 96 que equipou a Harley-Davidson FXD Dyna Super Glide ainda seria suficiente para movimentar um carro do porte do Renault Mégane que no Brasil teve entre os motores oferecidos o K4M de 1.6L. As maiores dificuldades seriam o suprimento de força para acessórios como um compressor de ar condicionado sem fazer muita gambiarra para adaptar uma polia de acessórios, bem como uma provisão de aquecimento para a cabine tendo em vista que as "Big Twin" ainda recorrem à refrigeração a ar ao invés da refrigeração líquida que se tornou padrão na indústria automobilística há décadas. Vale destacar também as discrepâncias nas regulamentações de emissões entre motocicletas e automóveis, que de certa forma se tornariam um empecilho à eventual aplicabilidade de motores "poluidores" de origem motociclística em carros.

Outros dilemas de ordem técnica como a falta que a ré possa fazer numa moto, resolvida em triciclos por meio do uso de uma caixa de reversão, também são evidentes mesmo naqueles momentos em que uma gambiarra possa parecer a última salvação para um "sucatão" em estado precário, enquanto uma expectativa por redução de consumo de combustível e uso menos intenso de recursos naturais em função da menor quantidade de componentes que um motor de moto pequena tenha e vá precisar de reposição ao longo da vida útil operacional comparado a um carro possam não se concretizar. Por mais que o princípio básico de operação aplicado a motores motociclísticos e automobilísticos seja essencialmente o mesmo, diferenças conceituais entre esses tipos de veículo podem requerer soluções diferenciadas para uma melhor adequação às respectivas propostas. Enfim, mesmo que esteja longe de ser tecnicamente impossível, nem sempre a adaptação de motor de moto em carros é recomendável.

2 comentários:

Joel disse...

Conta bem simples de entender até, mas eu não acho que seria uma solução perfeita. Pode ser um paliativo naqueles casos em que achar peças para o motor original do carro se torne uma dificuldade, apesar das peças para motos de cilindrada média ou alta também não serem muito baratas.

Adilson disse...

De moto eu só vi de perto adaptar carburador em carro.

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