sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Caminhões americanos: poderiam ter uma maior presença no Brasil

Considerando a presença dos caminhões americanos em países latinos tão diversos quanto o México e outros mais próximos geograficamente do Brasil, de certa forma pode causar alguma estranheza que o mesmo sucesso não seja replicado no mercado nacional onde marcas como Kenworth e Freightliner não estão presentes oficialmente. O atual estágio de compartilhamento de componentes e tecnologias entre caminhões americanos e europeus, com a Kenworth fazendo parte do mesmo grupo Paccar que também detém as marcas DAF holandesa e Tatra tcheca enquanto a Freightliner atualmente pertence à Daimler assim como a Mercedes-Benz, levaria a crer que uma adaptação das redes de assistência técnica para atender a modelos de concepção mais americanizada não seria tão difícil de implementar, facilitando uma eventual abertura do mercado nacional principalmente nos segmentos de caminhões pesados e extrapesados. A disponibilidade de modelos com cabine avançada como o Kenworth K200 e o Freightliner Argosy, embora já não sejam tão comuns nos Estados Unidos como ainda o são na Austrália e no Chile, já leva a crer que a competitividade ainda estaria assegurada mesmo diante das regulamentações brasileiras que contemplam o comprimento total das combinações entre o cavalo-mecânico e o semi-reboques ao invés de se aterem mais ao comprimento do implemento.
Vale destacar que esse intercâmbio técnico entre os caminhões de origem americana e os europeus já desafia até a antiga preferência pela variedade mais ampla de motores, câmbios e eixos motrizes de fornecedores distintos para os caminhões americanos em contraponto à centralização priorizada pelos europeus. Além de uma eventual facilidade em âmbito logístico de assistência técnica e reposição de peças visando atender a diversos mercados internacionais, o desenvolvimento de sistemas de controle de emissões também se torna mais integrado e se refletindo numa amortização mais rápida dos custos associados a esses projetos que só mesmo uma maior escala de produção é capaz de proporcionar. No caso da Freightliner e da Mercedes-Benz, o mesmo motor OM457 que no Brasil é usado em modelos como o Axor também passou a servir de base para motores de especificação americana que por força de tradição foram renomeados Detroit Diesel mesmo que não sejam mais fornecidos para fabricantes  de caminhões que não fazem parte do grupo Daimler como ocorria com linhas de motores anteriores que obtiveram grande participação em praticamente toda a linha pesada americana. Na prática, por mais que se mantenha uma marca diferente para os motores, às vezes usada também em componentes de transmissão, a antiga flexibilidade tem dado espaço a uma simplificação.

Até já houve uma presença maior de fabricantes americanos no mercado brasileiro de caminhões, com destaque para Chevrolet e Ford que por muito tempo priorizaram as linhas leve e média, o que de certa forma deixaram o caminho livre para modelos de projeto europeu ganharem espaço não só nesses segmentos mas principalmente entre os pesados, com destaque para a Scania que permanece em operação até os dias de hoje no Brasil e a extinta FNM que licenciava tecnologia da Alfa Romeo até ser vendida para a Fiat e aproximar-se mais da OM (Officine Meccaniche) que esteve entre as marcas agrupadas pela Iveco. Embora os custos dos combustíveis em outras épocas parecessem ter um impacto menor, não se pode ignorar que a "dieselização" intensificada à medida que fabricantes mais alinhados tecnologicamente com a Europa também pesou significativamente nessa transição que viria a balizar os rumos que o transporte rodoviário brasileiro tomaria. Naturalmente que as condições das estradas, com mais eixos rodoviários sendo implementados durante o regime militar e integrando localidades que antes dependiam mais de trilhas de tropeiro para romper o isolamento e onde haveria mais dificuldade para trafegar com veículos de maior capacidade de carga, também tiveram um peso significativo nesse contexto. Embora a operação dos fabricantes generalistas americanos favorecesse uma limitação da oferta de caminhões a modelos menores até mesmo para aproveitar componentes mecânicos com a linha de automóveis e não exigir grandes investimentos da rede autorizada para ter a capacidade de atender a modelos mais pesados, na prática nada teria impedido os especializados em caminhões de ter se instalado no Brasil a exemplo do que foi feito no México e em países andinos, deixando uma lacuna que alguns concorrentes europeus não deixaram passar em branco.

Dentre as experiências mais recentes de caminhões americanos no Brasil, a International talvez tenha se equivocado ao replicar a estratégia de priorizar os "bicudos" nos segmentos médios, ao passo que nos cavalos-mecânicos durante a última tentativa de restabelecer a marca no mercado interno houve a consolidação da cabine avançada. Já nos caminhões médios, que são bastante requisitados para uma grande variedade de serviços que incluem aplicações vocacionais e urbanas além da carga geral, não há mais tanta demanda pelos "bicudos" como ainda havia cerca de 20 anos atrás, justamente devido à proporção entre a extensão da área de carga e o comprimento total do veículo. Por mais que se possa alegar que o conforto seja favorecido num "bicudo" devido ao melhor isolamento termoacústico ao redor do compartimento do motor, bem como de uma menor altura de embarque que se reflete numa menor fadiga do operador em rotas porta-a-porta, a busca pela rentabilidade tem prevalecido e levado à preferência pela cabine avançada, que também facilita mais o acondicionamento das cargas visando um melhor aproveitamento de limites de peso por eixo. No tocante à oferta de motorizações, entre os médios já começava a se encaminhar uma concentração, tomando como referência na International o fato de modelos como o antigo 4700 ter usado um motor da própria International no Brasil enquanto o DuraStar recorria a um MWM/MaxxForce lembrando que já faz tempo que a MWM tornou-se uma subsidiária da Navistar, fabricante dos caminhões International.
Seria injusto classificar os caminhões de projeto americano como efetivamente inaptos a enfrentar as condições operacionais do Brasil, a exemplo do que já ocorre numa escala muito maior em outros países com condições de rodagem tão severas quanto as brasileiras como na Austrália e na África do Sul. Até mesmo uma eventual imagem de mais beberrões que concorrentes de origem européia não é realista, levando em consideração que o projeto básico tanto de caminhões quanto de motores Diesel para serviço pesado seguem algumas diretrizes básicas que de certa forma resultam em produtos com muito mais semelhanças do que se poderia inicialmente supor. Enfim, por mais que já não exista uma tradição tão forte dos caminhões americanos no Brasil, não seria errado dizer que por exemplo um International possa ser competitivo diante de um Mercedes-Benz ou um Scania...

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