sábado, 8 de agosto de 2020

Populares generalistas: ainda necessários nesse mar de SUVs

Um caso raro na indústria automobilística, o breve retorno do Fusca às linhas de produção no Brasil de '93 a '96 trouxe à tona a questão da efetiva necessidade por veículos com um caráter mais utilitário que ainda necessitam manter um baixo custo de aquisição e de operação para enquadrar-se num orçamento relativamente modesto. Tomando por referência mais especificamente a expectativa de que o Fusca iria ser melhor recebido especialmente nas regiões rurais onde a tração traseira de fato fazia a diferença nas condições de rodagem mais severas em combinação com a posição do motor e da maior concentração de peso próxima ao eixo motriz nas mais diferentes condições de carga, poderia soar mais simples que se empurrasse a Kombi como uma alternativa, além do mais que também estava sendo beneficiada pela equiparação do motor boxer de 1.6L refrigerado a ar aos 1.0 de refrigeração líquida para fins tributários. De fato a idéia de levar um veículo maior com conjunto mecânico muito semelhante pode ser tentadora à primeira vista, mas também não se pode negar que alguns usuários ainda podem ser melhor servidos por um modelo com dimensões mais modestas, e guardando as devidas proporções é possível fazer uma analogia entre o caso do Fusca e da Kombi e a atual moda de SUV.

Salta aos olhos mais imediatamente a questão das dimensões externas, por mais que pareçam menos exageradas na comparação entre a Kombi e o Fusca diante de como os carros mais recentes vem se tornando cada vez maiores e tal diferença fique mais exacerbada ao comparar um utilitário com algum modelo generalista. O comprimento quase 40 centímetros mais longo da Kombi e a largura pouco mais de 20 centímetros maior em relação ao Fusca, associadas à posição avançada do cockpit e o formato menos arredondado são mais favoráveis à capacidade volumétrica interna, mas cobram um preço tanto na aerodinâmica quanto no diâmetro de giro mesmo que a distância entre-eixos seja idêntica, e portanto em alguns casos pode ser preferível um modelo mais compacto quando toda a aptidão de um utilitário a um serviço não vá ser explorada numa proporção maior que o observado num carro compacto. Também há de se considerar que, ao contrário de pick-ups e do Jeep Willys ou similares, a Kombi demorou a ter o justo reconhecimento de um público mais voltado a utilizações particulares e de lazer, contrastando com a obsessão de uma parte do público pelos SUVs e a aposta dos fabricantes generalistas em forçar a barra oferecendo modelos mais pretensiosos a uma clientela antes mais conservadora que em algumas situações ainda se mantenha fiel a uma marca como a Volkswagen por causa da memória afetiva com o Fusca.


Embora tratar da possibilidade de apontar um sucessor para o Fusca seja especialmente delicado, hoje ao menos no Brasil tal condição foi reservada na linha Volkswagen para o Gol e se vê refletida numa presença de mercado que se mantém para atender a alguns consumidores varejistas que se apegam mais ao nome do modelo que a especificações técnicas e a frotas de empresas que priorizam a simplicidade e a percepção de um bom valor de revenda mesmo que a concorrência esteja mais desafiadora do que em outras épocas. Desde o fato da atual geração do Gol ter consolidado a carroceria de 4 portas como única disponível, passando pela inclusão do câmbio automático como opção quando equipado com motor 1.6 e da versão 1.0 ter seguido a massificação da configuração de 3 cilindros nessa faixa de cilindrada, não se pode ignorar a existência de um público conservador que ainda viabiliza a permanência em linha de um pé-duro destinado a mercados emergentes desde antes que isso se tornasse mais habitual no Brasil, mesmo que em regiões tão diversas quanto a Ásia ou a África Meridional seja mais fácil desovar uma geração defasada de algum modelo destinado ao público generalista na Europa como opção de entrada. O importante é destacar que uma parte do público que poderia até ser facilmente empurrada em direção aos principais argumentos dos publicitários em defesa dos SUVs, como as pretensões aventureiras que podem soar convidativas tanto para um pequeno produtor rural quanto encarregados de manutenção de redes de telefonia (que ao serem cobrados por alguns consertos em sistemas de veículos maiores e mais complexos quando alegado "mau uso" podem preferir algo mais simples com menos componentes para dar problema e peças de reposição mais baratas) não vá abrir mão de populares generalistas com tanta facilidade.


Considerando modelos da Volkswagen com uma presença global maior na atualidade como o Polo e o T-Cross, é importante observar desde a distorção que se criou no Brasil alçando hatches generalistas à condição de "compacto premium" até as pretensões de sofisticação atribuídas aos SUVs mesmo com a plataforma compartilhada entre ambos. A diferença de pouco mais de 19 centímetros no comprimento e praticamente desprezíveis 9 milímetros na largura que dão ao Polo um footprint menor, e uma distância entre-eixos pouco mais de 8 centímetros maior no T-Cross influa tanto na distribuição do espaço interno quanto num diâmetro de giro pouca coisa mais desfavorável a um SUV, que acaba ironicamente sendo mais voltado a um público essencialmente urbano devido à ausência da opção por tração 4X4 que podia soar útil ao público rural. No tocante a motorizações, enquanto o Polo ainda oferece opções 1.0 e 1.6 de aspiração natural no mercado interno, paralelamente ao 1.0 TSI e ao recentemente introduzido 1.4 TSI que lançam mão do turbo, o T-Cross só dispõe no Brasil dos motores 1.0 e 1.4 TSI apesar de no exterior serem oferecidas versões de fabricação nacional com o motor 1.6 MSI aspirado que em alguns países como a Argentina e o Uruguai serem o único disponível tanto em função da manutenção mais simples devido ao uso de injeção sequencial e aspiração natural em detrimento do turbo e injeção direta quanto de não ser afetado pela incidência de impostos com base na cilindrada observada no Brasil favorecendo o 1.0 TSI além das expectativas de uma redução de consumo de combustível e emissões associada a uma maior facilidade para partida a frio ao se usar o etanol.


E se por um lado na Europa e em alguns países asiáticos os SUVs não eliminarão os hatches com tanta facilidade devido à questão do espaço ocupado sobre o leito carroçável e para estacionar, por outro vale observar a permanência dos sedans tendo fomentado o desenvolvimento do Volkswagen Virtus baseado no Polo e que hoje é produzido somente no Brasil mas já marca presença na exportação regional, sendo favorecido pela imagem de maior prestígio associada aos sedãs em comparação a um hatch da mesma plataforma em alguns países numa intensidade maior que a anteriormente observada quando o Voyage acompanhava o Gol numa maior quantidade de mercados externos. Em que pese o Virtus alinhar-se ao Polo e portanto beneficiar-se de uma imagem de modernidade reforçada pela presença do modelo que o deu origem em mercados mais desenvolvidos num contraponto ao viés emergente herdado do Gol e que não pode ser desvinculado do Voyage, ambos acabam tendo a exatamente mesma função por mais que a pretensão de uma maior sofisticação posicione o Virtus até com relativo conforto como uma opção para parcelas do público que antes buscariam por um sedan de segmento intermediário enquanto o Voyage não perde o caráter essencialmente funcional que se espera de um popular pau-pra-toda-obra e de certa forma se mantém competitivo também em função de um uso tanto particular quanto profissional que teve uma significativa expansão com a chegada da Uber ao Brasil, e o investimento para aquisição de um sedan generalista permaneça menor que o destinado a um SUV compacto.

Mesmo em meio às drásticas transformações que se observam tanto nas expectativas dos consumidores quanto nas estratégias dos fabricantes de veículos e nas campanhas publicitárias visando abrir o terreno para uma maior concentração de mercado em direção aos SUVs, fatores tão diversos quanto algum grau de conservadorismo ou um orçamento mais modesto dificultam uma eliminação de automóveis com um aspecto mais tradicional. A diferenciação técnica não muito acentuada entre um carro normal e a atual geração de SUVs do tipo crossover é de certa forma uma faca de dois gumes, tendo em vista que a falta de algum recurso mais específico já não justifique uma transição para outra configuração de carroceria a custo maior que não se reflita em vantagens práticas em alguma condição operacional. Enfim, mesmo que não sejam tão enaltecidos ou cobiçados, os populares generalistas ainda se mantém relevantes e até necessários em meio à presença cada vez maior dos SUVs.

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