segunda-feira, 27 de julho de 2020

Sobre a minha preferência por motores "arcaicos"

Expor alguns motivos que me levam a preferir uma Royal Enfield ao invés duma Harley-Davidson é sempre algo sujeito a questionamentos e objeções, como num comentário feito de forma anônima que eu recebi mas considerei pertinente, e ainda serve de gancho para falar um pouco sobre o porquê da minha preferência por alguns motores um tanto "arcaicos". O anônimo fez objeções tanto ao estilo da linha atual da Royal Enfield, à qual se refere como "motinhas indianas" quanto à notável diferença no tamanho dos motores, e nesse ponto não há como tirar totalmente a razão dele. No entanto, me parece exagerado apontar uma possível "síndrome de vira-lata" como pretexto para que eu defenda motores "menores e mais fracos" diante de outros mais potentes ou complexos.

Para fazer uma comparação mais parelha, vou tomar como referência a Honda CG desde a "varetada" até a atual 160, e não posso negar que sou mais favorável a algumas características de cada modelo e até gostaria de vê-las combinadas embora me pareça altamente improvável de acontecer. De fato, um comando de válvulas no bloco com sincronização somente por engrenagem me agrada por requerer uma manutenção mais simples, e o japonês Osamu Iida quando foi presidente da filial brasileira da Honda já previu que a turma iria abusar da sorte por aqui como já havia acontecido em alguns países do sudeste asiático onde os motores 2-tempos predominavam porque era mais fácil lembrar de diluir um pouco de óleo na gasolina do que parar a moto para trocar óleo, e os motores com o comando de válvulas no cabeçote sincronizado por corrente não toleravam muito bem que se atrasasse as trocas de óleo. Pode-se creditar a esse motor "varetado" o fato do consumidor brasileiro ter se acostumado aos motores 4-tempos nas motos de pequena cilindrada, mas lançando um olhar sobre a CG 160 não há como negar por exemplo que a injeção eletrônica proporciona mais eficiência durante as diferentes fases do funcionamento do motor, suavizando a marcha-lenta mais cedo após a partida e também promovendo um controle mais preciso das temperaturas dos gases de escape de modo a proporcionar um aquecimento mais rápido do catalisador e reduzindo as emissões de poluentes durante a fase fria. Não vou nem entrar no mérito da refrigeração, e de como me parece pouco provável que os "manos" se dispusessem a aceitar a maior complexidade da refrigeração líquida que poderia trazer vantagens mas a um custo que poucos estão dispostos a pagar na categoria das motos utilitárias, logo tão cedo vai ser difícil desapegar da "arcaica" refrigeração a ar...

E comparando motores automotivos, uma comparação que me parece pertinente seria entre o motor Ford CHT rebatizado pela Volkswagen como AE, que em versões de 1.0L e 1.6L chegou a ser usada no Gol bola sempre com injeção eletrônica. É impossível não fazer uma observação sobre o contexto político da década de '90, e como talvez não tivesse sido de todo ruim a Volkswagen arriscar usar no Gol bola o motor do Fusca Itamar ao menos numa versão de entrada eventualmente acrescentando a injeção eletrônica em substituição ao carburador, tendo em vista que mesmo com a discrepância nas faixas de cilindrada entre os "populares" com motor de 1.0L e refrigeração líquida o bom e velho boxer refrigerado a ar privilegiado com a possibilidade de manter-se em 1.6L tinha um bom torque desde regimes de rotação mais modestos que podiam ser bem aproveitados associando-se a uma relação final de transmissão mais longa. Considerando também que o motor no Gol em posição dianteira teria um fluxo melhor para captação de ar tanto para admissão quanto para a refrigeração, o que seria um bom pretexto para algumas experiências para ver até onde o boxer aguentaria alguns aperfeiçoamentos, e o fato de ser um motor mais leve e curto proporciona alguns benefícios que vão desde um melhor equilíbrio de peso entre os eixos até uma menor propensão a rachar o túnel central.

Mas no tocante a motores mais recentes, como os 1.0 na configuração de 3 cilindros que finalmente chegou à linha Chevrolet brasileira com aproximadamente duas décadas de atraso, algumas vezes não dá para defender certas simplificações como foi a supressão da injeção direta para recorrer à injeção nos pórticos de válvula com o motor turbo. Sob alegações tão variadas quanto uma maior facilidade para converter ao gás natural, passando obviamente pela questão do custo inicial menor da injeção nos pórticos de válvula, o resultado não foi dos melhores, embora quando a versão hatch do novo Onix chegou já haviam sido sanados os defeitos na calibração eletrônica que culminaram com alguns incêndios no sedan. Enquanto no motor aspirado realmente fazia mais sentido a injeção nos pórticos de válvula, com o turbo teria sido melhor não vacilar, e se fosse o caso oferecer um motor aspirado com cilindrada ligeiramente maior que teria um custo de produção menor e mesmo recolhendo mais imposto o preço final ao consumidor que o preferisse ficaria mais equilibrado, o que resultaria numa desoneração maior para deficientes físicos e taxistas comprando com isenção de IPI e ICMS.

A bem da verdade, nesse país "agrário com asfalto remendado" onde o Fiat Uno Mille já tomou um espaço que não só o Fusca mas também o Jeep Willys, há alguns aspectos que me causa uma certa surpresa terem evoluído mais lentamente que a parte de motores, como a resistência em tornar mais comum os freios ABS antes da obrigatoriedade que pôs um fim na produção do Uno Mille a meu ver injustificado mesmo considerando que fosse necessário incluir também os airbags. Infelizmente não é possível criar um veículo "perfeito", sendo tudo uma questão de prioridades, mas às vezes um motor mais pé-duro pode ser tão satisfatório quanto ou até mais do que um similar mais moderno. Enfim, a minha preferência por motores "arcaicos" não significa que eu seja totalmente contra a inovação e as melhorias que possam ser proporcionadas.

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