segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Agrale: algo como o uma espécie de "Gurgel que deu certo"?

Sempre que é levantado o tema fabricantes de veículos de capital brasileiro, é comum o caso da Gurgel ser mais lembrado, até pela falência frequentemente apontada como um empecilho para investimentos semelhantes a serem eventualmente feitos no Brasil. Mas é pertinente observar também outros casos, e a Agrale naturalmente deve ser observada, em parte pelo sucesso do Marruá que surgiu para atender a uma necessidade específica de forças militares após a Toyota encerrar a produção do Bandeirante sem disponibilizar um sucessor direto. E apesar da Agrale ter uma rede de concessionárias pequena, e um direcionamento mais forte para operadores estritamente profissionais, em contraste com a abordagem generalista dos fabricantes de origem estrangeira, essa especialização para atender ao mercado de utilitários chama a atenção tanto por ter sido o que deu fama à Gurgel antes da tentativa com uma linha de carros populares quanto pela transição da Ford de fabricante generalista multinacional para ter uma ênfase em caminhonetes.

Naturalmente, no caso da Agrale, uma maior receptividade ao outsourcing dos motores a diesel como os Cummins ISF2.8 e ISF3.8 que equipam diferentes versões do Marruá já é menos arriscado que desenvolver um motor a gasolina por conta própria, como ocorreu a partir do momento que o inesquecível João Augusto Conrado do Amaral Gurgel visava o fim da dependência por motores (e câmbios) de origem Volkswagen nos utilitários Gurgel, e apostou mais alto no projeto de carros com proposta declaradamente popular. Economia de escala é só a ponta do iceberg, lembrando que a Agrale chegou a fazer experiências de relativo sucesso com motores de fabricação própria baseados em projetos da Hatz alemã, ainda usados em alguns dos tratores Agrale, mas o uso veicular acabaria sendo inviável em veículos modernos devido às normas de emissões e à burocracia para homologação. E se para produtos mais especializados, com um custo inicial obviamente mais alto que o de um carro popular, já fica praticamente impossível justificar o risco de desenvolver um motor próprio, mesmo considerando a possibilidade de vender também versões estacionárias ou para propulsão de barcos como faz a Agrale com alguns motores "de trator", um foco em utilitários aptos ao uso de motores a diesel conforme uma estúpida regulamentação brasileira que restringe tal opção de acordo com capacidades de carga e passageiros ou tração mantém a Agrale numa situação mais cômoda do que a da antiga Gurgel.

Por mais que a tração 4X4 acarrete um custo superior e apresente maior complexidade na comparação ao uso de conjuntos motrizes da Volkswagen que equipavam a linha Gurgel, a ponto de ter sido sido muito dependente da disposição de motor traseiro como no Fusca para assegurar a capacidade de transposição de terrenos severos, foi indispensável para o Agrale Marruá ser capaz de disponibilizar maior variedade de capacidades de carga tanto em versões militares quanto civis sem prejuízos à aptidão off-road. Apesar de ter os utilitários como foco principal desde a época que produzia caminhões leves e chassis para microônibus, e deixando de lado o caso das incursões da Agrale na produção de motos sempre em parceria com empresas italianas como a Cagiva e até mesmo a MV Agusta, e o exemplo de alguns fabricantes tradicionais de motos como a Suzuki e a BMW Motorrad valendo-se de projetos compartilhados com fabricantes chineses como a HaoJue que fica a cargo da produção dos modelos básicos de motos Suzuki a nível mundial ou indianos a exemplo da TVS Motor que produz todos os motores das motos BMW G310 tanto para a Índia quanto para outros mercados, chega a ser mais fácil produzir motos que carros de proposta popular, e um hipotético retorno da Agrale ao mercado motociclístico já seria suficientemente improvável para descartar uma inserção em segmentos generalistas do mercado automobilístico como a que levou a Gurgel à falência. Portanto, mesmo com um volume de produção menor em comparação a concorrentes internacionais, e também em comparação à Mahindra que de certa forma é um expoente da motorização indiana e também tem mais destaque nos utilitários, é inevitável observar a situação da Agrale em meio a um mercado de utilitários cada vez mais concorrido e onde a burocracia traz novos desafios tanto no tocante ao controle de emissões quanto à exigência de dispositivos de segurança como freios ABS, ou airbags de acordo com a classificação dos veículos, e fazer uma analogia com a Gurgel da época que ainda dependia dos conjuntos motrizes de origem Volkswagen.

Possivelmente o fato de estar desvinculada de qualquer fabricante multinacional leva a uma maior dificuldade para dar visibilidade à Agrale junto ao público generalista, mesmo que o público mais especializado alcançado pela empresa também possa ser servido pela rede de assistência técnica dos fornecedores como a Cummins no caso dos motores hoje oferecidos no Marruá, que favorece até uma pauta de exportação, sem o risco de um fogo amigo como o que teria causado atritos entre a Gurgel e a Volkswagen devido à disputa no mercado de jipes para resorts no Caribe. Até na África onde a Toyota ainda dá as cartas, o Agrale Marruá já tem uma discreta presença com um curioso destaque em países de mão inglesa como Namíbia e Uganda, e talvez por permanecer concentrada nos utilitários e ter uma escala de produção menor que facilite customizações a Agrale mais complementa que canibaliza a oferta de fabricantes mais tradicionais, tal qual ocorria com a Gurgel e outros fabricantes pequenos no Brasil antes da reabertura das importações de veículos. Enfim, apesar de ser menos lembrada pelo público generalista na atualidade, estaria longe de ser totalmente incoerente apontar a Agrale como uma espécie de "Gurgel que deu certo".

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por favor, comente apenas em Português ou em Espanhol.

Please, comment only in Portuguese or Spanish.
In doubt, check your comments with the Google Translate.

Since July 13th, 2011, comments in other languages won't be published.