quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Como o Ford Ka de 3ª geração ficou tão distante da missão de ser um eventual "sucessor espiritual" para o Ford Modelo T?

Produzido entre 2014 e 2021 somente no Brasil e na Índia, sendo que versões indianas ainda chegaram a ser vendidas na Europa Ocidental, e até mesmo no México ao invés dos similares brasileiros, o Ford Ka de 3ª geração poderia ter eventualmente assimilado uma função de "sucessor espiritual" do Modelo T. Mesmo que mais de 100 anos tenham proporcionado um profundo distanciamento técnico, e também as condições de rodagem mais comuns para o público generalista serem muito mais suaves comparadas à época do Ford Modelo T, a simples proposta de um modelo de entrada especialmente competitivo em mercados emergentes proporciona condições para fazer uma analogia com a massificação do automóvel nos Estados Unidos. Mas como seria de se esperar, a proposta mais austera diante de outros modelos da Ford tornavam a 3ª geração do Ka aparentemente redundante na Europa Ocidental, em contraste com o viés mais especializado e voltado a um público estritamente urbano das gerações anteriores, bem como a ausência em mercados como os Estados Unidos e até mesmo a China.

Só de haver regulamentações baseadas nas faixas de cilindrada para definir o quanto de impostos seria cobrado, com motores até 1.2L a gasolina ou 1.5L a diesel menos pesadamente tributados na Índia, tal qual ocorre com os motores 1.0 a gasolina ou flex no Brasil, dificultava uma abordagem mais parecida com a do Ford Modelo T que usou em todos os mercados onde foi oferecido um único motor durante a produção que foi de 1908 a 1927. Com um motor 1.0 flex de 3 cilindros sendo usado exclusivamente no Brasil, e paralelamente os mesmos motores 1.5 que foram oferecidos como flex no Brasil ou ainda só a gasolina nos poucos mercados de exportação regional, podia parecer que as versões indianas exportadas para a Europa somente com o menor motor a gasolina disponível na Índia e câmbio manual fizesse mais sentido, embora versões de especificação mexicana precisassem dos motores 1.5 a gasolina que também eram oferecidos na Índia como opção e que foram os únicos oferecidos com o câmbio PowerShift para quem fizesse questão de um câmbio automático ou nesse caso automatizado de dupla embreagem. Uma baixa confiabilidade do câmbio PowerShift com embreagens secas, posteriormente substituído por uma versão com as embreagens banhadas a óleo e alegadamente com menor tendência ao superaquecimento, também contrasta com a estratégia da época do Ford Modelo T com um único câmbio semi-automático de duas marchas integrado ao cárter e banhado pelo mesmo óleo do motor, cuja operação já ficava fácil de assimilar em qualquer lugar do mundo numa época que ainda inexistia uma configuração padrão dos comandos no cockpit de um automóvel como se vê hoje e que dificilmente vá mudar.

A atual moda de SUV certamente inibiria perspectivas para o Ka de 3ª geração assumir uma função de modelo mundial da Ford, mesmo considerando a versão com acabamento de inspiração off-road que foi denominada Trail no Brasil e Freestyle tanto no Brasil após a remodelação quanto na Índia, e Active na Europa. Os diferentes nomes usados em mercados onde esteve disponível também dificultavam fixar a identidade do modelo junto a diferentes públicos, como o hatch sendo denominado Ka+ na Europa e o sedan tendo sido vendido no Brasil como Ka+, enquanto o nome Figo foi usado na Índia e no México, e uma versão do sedan com comprimento menor que 4 metros feita especificamente para recolher menos imposto na Índia quando associada aos motores 1.2 a gasolina e 1.5 turbodiesel era denominada Aspire. De qualquer jeito, por mais que uma versão sedan pudesse até ser mais fácil de dimensionar a estrutura para atender às normas de impactos nos Estados Unidos caso a Ford até tentasse oferecer ao menos uma opção do Ka para atrair e fidelizar um público mais austero, que vê um carro mais como necessidade ou praticidade em detrimento da percepção como um símbolo de status, por conta do sistema tributário dos Estados Unidos era mais fácil empurrar um SUV compacto com conjunto motriz praticamente idêntico, enquanto em muitos países um SUV tem incorporado aquela percepção mais "prestigiosa" perante um hatch que antes era mais associada aos sedans.

Mesmo que um carro mais convencional e com um tamanho mais racional em proporção à capacidade de carga e passageiros ainda pudesse atender melhor às efetivas necessidades do público generalista comparado a um SUV mais pesado e gastador de combustível com conjunto mecânico similar, portanto fazendo mais sentido tanto no custo operacional quanto pelas emissões menores em condições normais de uso, às vezes a dinâmica do mercado automotivo joga a racionalidade para escanteio. Naturalmente a austeridade eventualmente excessiva de um modelo declaradamente "emergente" possa soar redundante em mercados mais desenvolvidos, ao mesmo tempo que foi subestimada em alguns países onde poderia ser útil para ampliar volumes de vendas de automóveis novos e talvez até favorecer a tal renovação de frota que eu ouço falar desde antes da entrada do atual Código de Trânsito em vigor no Brasil. Enfim, o Ford Ka de 3ª geração acabou ficando distante da missão de "sucessor espiritual" do Ford Modelo T que poderia ter assimilado, aparentemente mais pelas diferentes dinâmicas de mercado nas regiões onde foi oferecido que por alguma particularidade técnica muito mais específica...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por favor, comente apenas em Português ou em Espanhol.

Please, comment only in Portuguese or Spanish.
In doubt, check your comments with the Google Translate.

Since July 13th, 2011, comments in other languages won't be published.