quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Uma reflexão sobre os sistemas de tração elétrica

Ainda que algumas experiências fossem desenvolvidas desde a década de 80, como a bateria tetrapolar da Gurgel, o mercado brasileiro nunca antes viu a tração elétrica como uma alternativa realmente viável para o uso não-comercial. Agora, com toda a evidência que os híbridos vem recebendo, mesmo que mais restritos a segmentos de luxo, o cenário da mobilidade elétrica como um todo vem se beneficiando do espaço conquistado na mídia, incluindo modelos com proposta mais simples como o triciclo Pompéo. O simpático modelo elétrico puro de projeto 100% nacional, entretanto, me parece mais apto a concorrer com o Smart como modelo de nicho que ser uma alternativa de veículo popular devido às capacidades de carga e passageiros restrita.


Um dos destaques desse mercado ainda um tanto ignorado é o Ford Fusion Hybrid, que junto a uma versão do Mercedes-Benz Classe S é um dos únicos modelos desse tipo representados oficialmente pelos fabricantes/importadores. Até mesmo a presidente Dilma Roussef já chegou a usar o sedã trazido do México pela Ford. Há ainda alguns utilitários esportivos importados de forma independente, como o Lexus RX, representando os híbridos nas ruas brasileiras. Até o famoso Toyota Prius, considerado o responsável pelo aumento no interesse pelos híbridos em mercados mais desenvolvidos, já tem alguns exemplares rodando em Curitiba a serviço de uma empresa de terceirização de frota, atendendo ao transporte executivo. Vale destacar que nesses casos a tração elétrica é um sistema auxiliar, conhecido como híbrido paralelo, e quando a tração é exercida apenas pelo(s) motor(es) elétrico(s) são classificados como híbrido em série, como o Chevrolet Volt, usando o motor a combustão apenas para acionar um gerador. Mas agora virou moda se referir a esses modelos, equivocadamente, como "elétricos de autonomia estendida".

No caso dos modelos que usam o sistema paralelo, como o Fusion, geralmente se usa o próprio motor de arranque (maior que o das versões convencionais) para fins tracionários, acoplado junto ao câmbio, e um alternador de maior capacidade para otimizar a recarga da(s) bateria(s) tracionária(s). É uma adaptação que não interfere tanto no peso final nem na dirigibilidade do veículo, mas não aproveita a maior vantagem da tração elétrica, que é a reversibilidade, permitindo até que o motor elétrico seja conectado ao eixo ou mesmo direto às rodas, eliminando algumas perdas por atrito na transmissão, aumentando a eficiência e, consequentemente, a autonomia.


Para quem tem interesse por um híbrido de fabricação nacional, entretanto, a oferta ainda está mais restrita a utilitários, como os ônibus com chassi produzido pela TuttoTrasporti, de Caxias do Sul-RS. No caso de veículos pesados, entretanto, o sistema de propulsão ainda depende mais de componentes importados em função da oferta de motores elétricos nacionais ser mais direcionada ao uso estacionário/industrial. Até já foram feitas adaptações desse tipo de motor em veículos mais leves convertidos para funcionar como elétricos puros, tanto em projetos experimentais como o desenvolvido pela Fiat em parceria com a administração da Itaipu binacional quanto por particulares. Geralmente, acabam recorrendo a motores elétricos fabricados pela Weg, de Jaraguá do Sul-SC, terceira maior fabricante de motores elétricos do mundo. Recentemente, algumas mídias alternativas anunciaram que a empresa iria passar a oferecer produtos específicos para fins tracionários. Alguns entusiastas devem estar eufóricos, e com alguma razão, visto que é uma empresa de capital nacional e com um bom domínio de tecnologia. Entretanto, com relação às baterias, a tecnologia nacional ainda está bastante atrasada. Além das tradicionais de chumbo-ácido, com uma densidade energética inferior (menos kWh/kg), pesquisas vem sendo feitas com uma tecnologia suíça visando o uso de baterias de sódio (o problema é a maior necessidade de se controlar a temperatura das mesmas) com uma densidade energética bastante elevada, e um sistema que usa grafite, com metade da densidade energética das tão enaltecidas baterias de íons de lítio (geralmente usam uma mistura de lítio, ferro e fósforo). Mas com um custo inferior e reciclagem mais fácil, não parecem tão inadequadas ao terceiro mundo, tão negligente no manejo do lixo eletrônico (e-waste).

Para não prejudicar tanto a autonomia ao usar as baterias de grafite, é melhor recorrer aos motores elétricos ligados diretamente às rodas (hub-motors). Além de melhorar a eficiência, libera espaço para acomodar a bancada de baterias sem sacrificar tanto o habitáculo e o compartimento de bagagens, e ainda manter o centro de gravidade mais baixo, favorecendo a estabilidade. Mesmo aumentando um pouco o peso em função da presença de no mínimo um motor a mais, considerando um veículo totalmente elétrico ou um híbrido seriado, deve ser considerado o alívio em relação a um sistema de transmissão convencional.

Em híbridos paralelos, me parece mais adequado o uso de no mínimo 2 hub-motors, a serem posicionados no eixo que não recebe tração mecânica. Nessa configuração, ainda acabaria sendo possível melhorar a dirigibilidade em condições críticas de aderência, como na neve tão comum nos invernos europeu, americano e japonês, ou mesmo sob a inclemência das chuvas de verão brasileiras.

A empresa anglo-americana Protean Electric vem sendo uma referência no desenvolvimento desse sistema, tendo parcerias com diversas empresas de ótima reputação no mercado automotivo mundial, como a Opel.

Não custa nada lembrar que, nesse caso, é mais adequado que o motor a combustão esteja acoplado a um câmbio automático (geralmente o CVT é mais usado nos híbridos), ou no mínimo manual com embreagem automática (quase extintos com devido aos câmbios manuais-automatizados, ou "robotizados") devido à dirigibilidade, para evitar riscos à segurança se o motor a combustão "morrer" devido ao motorista esquecer de usar o pedal da embreagem ao parar em semáforos ou outras situações, nem danificar o câmbio por algum "tranco" ao trocar a marcha sem usar adequadamente a embreagem.

Como um consumidor mais conservador, eu ainda vejo no híbrido paralelo o exemplo mais "comprável" de tração elétrica. No caso específico do sistema com os hub-motors associados à tração mecânica, ainda que não tenha sido adotado em nenhum modelo de produção em massa (mas já despertou a atenção da Porsche, que recentemente apresentou 2 protótipos usando o sistema, sendo um deles baseado no 911/997), apesar de aparentar uma complexidade muito superior devido à quantidade maior de motores elétricos, ainda parece mais adequado por permitir a operação emergencial em modo apenas elétrico se o motor a combustão apresentar alguma irregularidade grave no funcionamento ou o câmbio falhar (eventualmente usando o motor a combustão apenas como gerador), mantendo a possibilidade de se usar a tração mecânica se algum problema ocorrer com ambos os hub-motors (se apenas um estiver comprometido, o outro ainda auxilia).

7 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Excelente reflexão. No tocante ao Volt, enfeitar a realidade é um vício que a GM ainda demorará bastante a abandonar. E se serve de consolo, baterias optima (de placa espiralada) já são fabricadas no Brasil, baratearam bastante; uma lufada de ar fresco até começarmos a pelo menos co-fabricar baterias alcalinas.

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Na verdade essa questão de "enfeitar a realidade" tem mais a ver com a burocracia da EPA americana que com a própria política corporativa da GM.

Igor disse...

em minha opinião, o maior problema aki no brasil para esse tipo de veiculo é a falta de incentivos e pior que isso, a pressão que as petroliferas fazem contra os eletricos (ou mesmo hibridos)

dai perguntamos: será que um dia estaremos livres da ditadura do petroleo? sim, pq logo ele acaba, ai vão ver que já vai ser tarde pra estimular tecnologias limpas e renovaveis...


agora no geral, o que dificulta é as baterias, embora aquele sistema da better place de trocar as baterias em postos de abastecimento parece funcionar bem, e ainda tras a possibilidade de usar o carro como um a combustão comum, para no posto e troca a bateria por outra carregada, ao invés de recarregar

enfim, pros veiculos eletricos ficarem "bons" a ponto de substituir os comuns ainda vai levar alguns anos, principalmente até resolverem a questao de autonomia (se bem que os atuais já tem uma satisfatoria)

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Não é por falta de interesse de pessoas como o empresário Shai Agassi que o esquema de leasing das baterias promovido pelo programa Better Place não foi implantado ainda por aqui. A maior vantagem desse sistema, a meu ver, é que mesmo um modelo elétrico antigo vai poder ser atualizado com baterias mais avançadas à medida que forem surgindo, e a destinação para as baterias que estiverem se tornando obsoleta será mais fácil de controlar para reduzir o risco de contaminações do solo e lençol freático por conta de descarte em locais impróprios.

Eduardo Lima disse...

Se ainda tiver que adicionar mais peso por causa dos hub-motors até não seria de todo ruim se o motor de arranque permanecesse com função de auxiliar tracionário, pelo menos enquanto estivesse sendo gerada carga excedente pelo alternador.

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

No caso, já que não teria como eliminar, realmente faz sentido manter o motor de arranque com função auxiliar de tração, mas deixar de aproveitar a vantagem da tração elétrica direta proporcionada pelos hub-motors não é uma idéia que me pareça tão adequada.

Dieselboy sa Maynila disse...

Creo yo que a un de eses Ford Fusion no quedaria mal un motor como el 2.7 del Mazda Bongo Brawny. Mas liviano que un sistema hybrid.

Postar um comentário

Por favor, comente apenas em Português ou em Espanhol.

Please, comment only in Portuguese or Spanish.
In doubt, check your comments with the Google Translate.

Since July 13th, 2011, comments in other languages won't be published.