Um aspecto que convém destacar é a estupidez burocrática brasileira: ainda na época que Fernando Collor de Melo era o presidente, estabeleceram-se parâmetros para enquadrar numa tributação diferenciada os carros "populares", tendo como principal característica a limitação da cilindrada a 1.0L e, inicialmente, preço limitado ao equivalente a 7000 dólares. Modelos como o Opel Corsa B europeu passaram a ter produção brasileira, incorporando motores dentro dos limites da nova tributação mas, ao invés do motor de 3 cilindros usado no Velho Continente, as versões nacionais usavam motor de 4 cilindros, e posteriormente foram surgindo versões com carrocerias mais pesadas como a Corsa Wagon, cujas versões de motor 1.0L já incorporavam cabeçote de 16 válvulas. Em outros mercados, onde permaneceu até 2011, o menor motor disponível para a Wagon tinha cilindrada de 1.4L e 8 válvulas, mais barato de produzir e com faixa de torque mais acertada, que não requeria relações de marcha tão encurtadas para ter o mínimo de agilidade para acompanhar o tráfego sem comprometer a segurança, e que também afetavam negativamente o consumo.
Tal situação se repete hoje com caminhonetes compactas de fabricação chinesa que se popularizaram bastante no Uruguai, onde costumam ter motores na faixa de 1.1L a 1.3L enquanto as congêneres destinadas ao mercado brasileiro ficam restritas aos motores 1.0L. Ao contrário do que possa inicialmente parecer, um motor menor ao estar submetido a um fator de carga superior vai gastar mais, além de sofrer um desgaste mais acentuado...
Hoje, com as operações de crédito facilitadas, e um incentivo desenfreado por parte do governo para que a chamada "nova classe média" deixe de lado a precaução e se afunde em dívidas, mesmo um simples Fiat Uno passa a ser considerado mais desejável que qualquer carro considerado "velho" apesar de ter mais conforto, como um Fiat Tipo, ainda que para as parcelas caberem no orçamento familiar o "popular" normalmente seja mais pelado que o "calhambeque" e, ao menos enquanto não entrar em vigor a obrigatoriedade de airbag e freios ABS for implementada nos veículos 0km, sem vantagem tão significativa quanto à segurança. Vale lembrar que o Fiat Tipo foi um dos primeiros veículos de fabricação brasileira a contar com airbag.
No tocante ao aspecto ambiental, não se pode negar que houve de fato uma evolução tecnológica, com melhora sensível nas emissões, sobretudo de monóxido de carbono e hidrocarbonetos crus, a ser creditada sobretudo à massificação da injeção eletrônica e do conversor catalítico (o popular "catalisador"), além dos veículos bicombustível (flex) terem conquistado a quase-totalidade do mercado por derrubar temores associados à disponibilidade do etanol durante as entressafras em função de também poderem rodar com gasolina sem depender de alterações no veículo. Ainda assim, em algumas circunstâncias, um modelo de concepção mais antiga como o Ford DelRëy pode ter médias de consumo de combustível menores que as de um Toyota Etios rodando no etanol...
Outro aspecto particularmente crítico ainda é a limitação dos recursos técnicos disponíveis para a assistência técnica em alguns locais, onde um motor de Fusca no qual se possa fazer um reparo emergencial com arame e fita isolante até chegar à oficina mais próxima mostra-se mais útil que qualquer modelo de projeto mais recente cujo sistema de injeção eletrônica venha impreterivelmente a precisar de um computador para regular a marcha-lenta. É interessante recordar, também, que apesar de não ser mais a coisa mais fácil do mundo encontrar carburadores novos a pronta-entrega, ainda é mais barato recondicionar um que substituir todo um hardware de injeção eletrônica...
Convém ainda mencionar a falta de opções de veículos realmente desenvolvidos de acordo com a realidade brasileira, como os carros "populares" da extinta Gurgel feitos entre 1988 e 1995, ao invés de meras simplificações de projetos europeus como o Fiat Uno Mille.
Ao contrário do Uno e de outros modelos contemporâneos, dotados de estrutura monobloco de aço estampado, os Gurgel usavam chassis space-frame tubulares de aço e carroceria de fibra de vidro, levando a uma notável redução de peso. Interessante notar que o chassi, apesar de mais leve, oferecia proteção contra impactos acima da média, comparável até mesmo a modelos de segmentos superiores.
Ao invés de incorporar a tração dianteira, que poderia ter até melhorado o já surpreendente aproveitamento de espaço interno e ainda reduzir o peso total do veículo, usava tração traseira, que melhora a manobrabilidade em espaços confinados por não ter semi-árvores ocupando espaço no eixo dianteiro. O eixo traseiro, rígido, tinha a vantagem de não estar propenso a estourar juntas homocinéticas como nos concorrentes de tração dianteira. O motor de 800cc movido a gasolina, com apenas 2 cilindros dispostos horizontalmente, também é dotado de um layout mais leve e compacto que os de 4 cilindros em linha hoje predominantes nos motores de 1.0L além de uma menor intensidade de atritos internos que sacrificam a eficiência do propulsor. Com tal conjunto, fazia médias de consumo na faixa dos 25km/l em ambiente urbano, ainda não igualadas por nenhum "popular" mais atual...
Os modelos BR-800 e Supermini até guardavam semelhanças com modelos contemporâneos de classe mundial, como o Renault Twingo de primeira geração, que permaneceu em produção na Colômbia até 2008.
Num país onde em muitas residências ainda é possível contar com apenas um veículo motorizado, é adequado que trate-se do menos "especializado" possível para desempenhar melhor todas as funções em que venha a ser necessário, desde o trabalho ao lazer, e o custo de um veículo 0km é muitas vezes desanimador, sobretudo em função da pesada carga tributária, levando muitos consumidores até a preferirem um modelo mais antigo, superando facilmente os 10 anos de uso, mas que ofereça maior conforto e versatilidade, como um sedã de porte médio ou uma caminhonete full-size.
Na prática, apesar das facilidades de crediário e da atual variedade de veículos novos no mercado brasileiro tornar o cenário favorável a uma ampla renovação de frota, substituir os "calhambeques" não é tão fácil quanto possa parecer...
3 comentários:
Dizem que carro novo é melhor, mais ecológico, mais isso, mais aquilo, mas carro novo não é la a última bolacha do pacote não. Com a minha Belina 84 eu já socorri muito amigo e muito parente que ficou na mão com carro injetado.
Renovação de frota é um tema pertinente, mas sim, é melhor pensar em como as condições socioeconômicas absorveriam o impacto dessa medida. Dizem que carro novo é mais seguro, mais isso, mais aquilo outro, mas para um peão que tem uma jabiraca velha se botar na ponta do lápis o preço de um carro 1.0 moderno e com acessórios de segurança mesmo com aqueles financiamentos que o sujeito vai ficar devendo até as cuecas vai acabar sendo mais fácil financiar uma moto, mais rápido para quitar a dívida e ainda gastando menos em combustível só que fica inviável para transportar a família ou o rancho do mês.
Se tirar imposto dos carros novos e fizer um programa de reciclagem sério dos carros velhos pode até dar certo a renovação de frota mas o preço de qualquer carrinho popular já é um absurdo. Se for assim eu ainda acho que vai ter mais crescimento nas vendas de moto que de carro.
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