sábado, 5 de julho de 2014

Uma breve reflexão sobre a "maldição" dos motores 1.0L

Desde que o Fiat Uno Mille iniciou a tendência dos motores de 1.0L no mercado brasileiro em '90, incentivado por uma tributação diferenciada com o alegado objetivo de "popularizar" o carro 0km, muita coisa mudou. No entanto, não seria um equívoco atribuir a um vínculo entre uma classe de cilindrada e um segmento mais básico pode acabar prejudicando o avanço tecnológico no parque industrial automotivo do país...

A tributação diferenciada dava alguma competitividade, e favorecia também a implementação de elementos mais complexos como o cabeçote multiválvulas e o turbocompressor. Um exemplo era o Volkswagen Gol 16V Turbo, oferecido entre 2000 e 2004 usando o motor EA-111 com potência de 112cv e torque de 15,8kgfm. Foi exaustivamente comparado a versões que usavam o velho EA-827 (vulgo "AP") naturalmente aspirado de 8 válvulas com 92 cv e 13,8kgfm para o 1.6L, 99cv e 15,5kgfm para o 1.8L, ou 111cv e 17,3kgfm para o 2.0L, todos nas respectivas versões movidas apenas a gasolina. À época, a intenção da Volkswagen era explorar a imagem de "esportividade" exaltada pela presença do turbocompressor, em oposição à tendência do downsizing com vistas à redução de consumo e emissões tão em voga hoje. Portanto, apesar dos resultados obtidos com o Gol e a Parati, a aplicação do mesmo motor em modelos considerados de maior prestígio como o Golf e o Bora parecia não fazer sentido naquele momento, e havia algum temor que a baixa cilindrada pudesse levar a uma depreciação mais intensa afinal, apesar das vantagens técnicas trazidas pelo turbo, a mera percepção de "inferioridade" conferida pela tributação diferenciada aos motores 1.0L acabaria um tanto mal-vista num segmento mais "nobre".

Basicamente a competição se limitou ao Ford Fiesta Supercharger produzido entre 2002 e 2005, que teve adicionado ao motor Zetec RoCam 1.0L de 8 válvulas um compressor mecânico, também conhecido como "blower" ou "supercharger", acionado por correia, acirrando um velho debate entre as vantagens atribuídas ao turbo e ao blower. Levou o motor de 66cv a 95cv, enquanto o 1.6L chegava a 98cv (sendo que na geração anterior o 1.0L tinha 65cv e o 1.6L 95cv), e também chegou a ser aplicado ao EcoSport entre 2003 e 2004. Ao contrário da Volkswagen, que não explorou as possibilidades de oferecer o motor 1.0L Turbo em mercados de exportação, a Ford até conseguiu oferecer o Fiesta Supercharger na Venezuela e na Colômbia, onde diga-se de passagem foi durante alguns anos o único motor oferecido. Vale lembrar que a concessionária paulista Souza Ramos chegou a desenvolver um kit turbo aplicado ao Ka em 2000 que o levava a alcançar 95cv.

Atualmente, o que parecia uma excentricidade brasileira para se enquadrar numa classe fiscal menos desfavorável ganhou espaço em outros grandes mercados, e no caso da Ford as atuais gerações de modelos com tamanhos e propostas tão distintas como o EcoSport e o Mondeo/Fusion são oferecidos na Europa com o motor EcoBoost de 3 cilindros e 125cv com turbo e injeção direta. Infelizmente, nem mesmo a menor alíquota de IPI da qual poderiam se beneficiar os compradores do EcoSport (não se aplica ao Fusion por vir do México) parece forte o suficiente para driblar a repulsão provocada por um estigma de improviso ao qual o turbo ainda é associado por uma parcela considerável do público brasileiro, além dos motores 1.0L serem vistos como "coisa de pobre".

Cabe mencionar, ainda, que o turbocompressor oferece a possibilidade de alterar a pressão de sobrealimentação de modo a emular variações na taxa de compressão, oferecendo melhores condições ao uso de combustíveis alternativos como o etanol e o gás natural (tanto o GNV de origem fóssil quanto o biometano), aumentando a eficiência energética com o etanol e reduzindo prejuízos ao desempenho com o gás.

Na prática, os atuais conceitos de downsizing levam um motor 1.0L a ser adequado tanto a um Fox quanto a um Jetta, restando quebrar apenas a barreira da mentalidade do consumidor brasileiro, que ainda associa a baixa cilindrada a uma espécie de maldição...

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