quinta-feira, 14 de junho de 2012

Uma reflexão sobre os carros "populares"

Já fazem mais de 100 anos que o automóvel começou a deixar de ser considerado uma excentricidade para tornar-se um sonho acessível à classe média e até mesmo a camadas menos privilegiadas da população, tendo como um dos exemplos mais icônicos o Ford Modelo T, também conhecido como "Ford Bigode" devido às alavancas posicionadas atrás do volante para controle do acelerador e do avanço da ignição.
No entanto, alguns aspectos técnicos às vezes levam a divergências de opiniões sobre o que é um verdadeiro "carro popular". Até mesmo no Ford T, um dos pioneiros no conceito de "carro mundial", um ponto a ser destacado é a disposição dos comandos fora do que hoje é considerado habitual: além do avanço de ignição acionado pela alavanca à esquerda atrás do volante e do acelerador à direita, com a alavanca do freio de estacionamento também atuando como controle de embreagem, o câmbio era controlado por pedais: o esquerdo acionava as duas marchas à frente, e o central controlava a ré. E ao contrário dos veículos mais recentes, o pedal direito aciona os freios de serviço. Hoje não há mais a necessidade do controle manual de avanço da ignição, que se fazia essencial no Modelo T para preservar a segurança durante a partida evitando o retorno brusco da manivela que poderia provocar lesões, os câmbios com maior quantidade de marchas são mais facilmente controláveis por uma alavanca única, com outra para o freio de estacionamento, e a disposição dos pedais vem trazendo embreagem à esquerda, freio de serviço ao centro e acelerador à direita.

Após a II Guerra Mundial, coube aos fabricantes franceses como a Renault algum destaque nas melhores definições sobre o carro popular moderno. Já incorporando a tração dianteira, para uma dirigibilidade mais dócil e favorável a condutores um tanto inexperientes quando a intervenção da eletrônica para amansar a tração traseira não passava de um devaneio de ficção científica, modelos como o Renault 6 tiveram um sucesso expressivo devido às características construtivas simples sem sacrificar o rodar confortável. É digno de nota o sistema de suspensão independente do modelo, em que os semi-eixos traseiros adotavam uma disposição assimétrica, fazendo com que a distância entre-eixos do lado direito ficasse mais longa. A pouco usual solução repetiu-se na 2ª geração do Renault Clio...

A nível global, o Toyota Corolla é o atual líder de vendas, já tendo superado a barreira de 36 milhões de unidades desde o lançamento da 1ª geração em 1966. Pesa favoravelmente ao modelo, hoje, a adaptabilidade da plataforma a diferentes conjuntos mecânicos e pacotes de equipamento, visando atender às exigências dos consumidores ou da legislação nos mais diferentes países. Porém, o modelo tem uma aura de prestígio e faixas de preço que o afastam de segmentos mais básicos no mercado brasileiro...

Sedãs compactos vem sendo a preferência absoluta dos mercados emergentes, como o Honda City, que compartilha a plataforma com o Honda Fit e atualmente um dos modelos de maior êxito no sudeste asiático. Apesar do trânsito caótico em grandes metrópoles como Manila (Filipinas) e Bangkok (Tailândia), não é difícil que um único automóvel tenha que atender às necessidades da família inteira e, por isso, tanto o espaço interno farto quanto um avantajado compartimento de bagagens são extremamente desejáveis. A mesma característica também pode ser observada no mercado brasileiro...
Outro modelo que vem recebendo destaque é o Nissan Versa, também dotado de ampla capacidade volumétrica e, ao contrário do concorrente da Honda, está disponível até mesmo no exigente e desenvolvido mercado americano. Ironicamente, apesar do design menos rústico é oferecido a um custo inferior ao do antecessor, o Nissan Tiida (que por lá também é conhecido como Versa), com o qual compartilha a plataforma.

No mercado brasileiro, vem sendo comum atribuir a popularização do automóvel, alavancada também pelo crédito facilitado, a modelos com o motor limitado a 1000cm³ de cilindrada, devido à carga tributária menos pesada sobre os mesmos. Em alguns casos, como o do Dacia Logan, comercializado na América do Sul como Renault Logan, o motor 1.0L é exclusividade brasileira e sequer estava previsto no projeto original. Vale destacar que, por ter 16 válvulas (4 por cilindro), acaba por ser mais complexo de manufaturar que o motor 1.4 de 8 válvulas (duas por cilindro) usado em versões básicas do similar europeu, ou mesmo o 1.6 também de 8 válvulas, em função da maior quantidade de peças móveis. Embora o modelo preserve a versatilidade para atender diferentes demandas no transporte não-especializado, é contraditória a limitação de cilindrada sobrepondo-se à racionalização da plataforma de carga e à manutenção relativamente simples. Muitas vezes, devido à necessidade de manter regimes de rotação mais elevados para ter um bom desempenho, a economia de combustível acaba sendo prejudicada. Assim, não é de se estranhar que alguns consumidores ainda prefiram veículos antigos com motor mais vigoroso a um "popular" zero-quilômetro...

Também digno de nota é o Nissan March: em outros países, não há mais motor 1.0, mas  o modelo importado do México tem versões equipadas com o motor Renault compartilhado com o Logan direcionadas exclusivamente para o mercado brasileiro. Enquanto isso, consumidores europeus podem contar com um interessante motor 1.2L de 3 cilindros e injeção direta. É interessante notar que o hardware para a injeção direta não é muito mais complexo que uma injeção eletrônica multiponto convencional...

Convém lembrar que, entre 1993 e 1996, a tributação diferenciada que beneficia os 1.0L foi estendida a modelos como o Fusca e a Kombi, apesar de contarem com motor 1.6L à época. Além da disponibilidade de torque menos limitada a rotações mais baixas, a manutenção simplificada proporcionada por elementos como a refrigeração a ar e a aptidão para transpor rotas onde só passava jipe faziam com que permanecesse uma boa opção...

Muitas vezes, ainda há a necessidade de percorrer tanto caminhos mais inóspitos quanto ruas e estradas com pavimentação em boas condições, e modelos antigos como o Citroën 2CV (cuja cilindrada em torno de 600cm³, significativamente inferior aos 1.0L, na prática não constitui um problema, em função do projeto bem-resolvido com peso contido e relações de marcha corretamente escalonadas) atendiam bem a essa proposta, enquanto atualmente nos modelos de entrada a circulação em malhas viárias de melhor qualidade é a prioridade absoluta. Por tal razão, a maioria dos projetos recentes precisa sofrer alterações para atender às necessidades de mercados menos desenvolvidos como o brasileiro, principalmente a nível de suspensão e pneus para aumentar o vão livre e gerar menos dificuldade no enfrentamento de irregularidades na pavimentação ou a ausência da mesma, e obstáculos urbanos como os infames quebra-molas...

Outro aspecto relevante é o tamanho dos veículos: ainda que eu seja contra restrições arbitrárias, não deixa de ser interessante observar modelos como o Daihatsu Mira de fabricação japonesa (que chegou a ser comercializado no mercado brasileiro como Daihatsu Cuore): com comprimento restrito a 3,4m e largura em torno de 1,45m, a manobrabilidade em ambiente urbano é beneficiada. Ironicamente, o espaço interno tem um arranjo melhor que muitos modelos com dimensões menos restritas como o Fiat 500...

Projetos específicos para as necessidades de países periféricos, diferentemente das "tropicalizações" de plataformas mais complexas, hoje não recebem tanta atenção dos grandes fabricantes, enquanto na década de 70 surgiram alguns modelos como o BTV (veículo de transporte básico, do inglês Basic Transportation Vehicle) desenvolvido pela Bedford (uma extinta divisão de veículos comerciais da General Motors com presença mais forte na Inglaterra e na Austrália) e conhecido no Paraguai como GM Mitaí, nas Filipinas como GM Harabas e em Portugal como Opel Amigo (por ser montado na fábrica da Opel em Azambuja, atualmente desativada), além de usar a marca Bedford em outros mercados como o equatoriano.

Uma iniciativa brasileira digna de louvor, embora não tenha alcançado o sucesso merecido, foi o carro popular da extinta Gurgel Motores, no qual as condições brasileiras de fins dos anos 80 serviram como pano de fundo para o desenvolvimento de um projeto ainda bastante atual mesmo passados quase 25 anos da primeira apresentação oficial do modelo em 7 de setembro de 1987. Apesar da carroceria com apenas duas portas, que não atenderia mais tão bem a um mercado no qual já não há mais tanta aversão a modelos de 4 portas (anteriormente associados ao uso como táxi ou outros veículos de serviço, salvo exceções em segmentos com maior valor agregado), o Gurgel BR-800 SL apresentava-se adequado às necessidades do consumidor urbano sem ignorar a versatilidade para atender com segurança à operação em subúrbios e zonas rurais com malha viária mais precária. Hoje, o mais próximo que se pode chegar desse conceito são alguns modelos convencionais levemente modificados para um aspecto mais orientado ao off-road recreacional leve, como na linha Adventure da Fiat. Porém, a obscena carga tributária brasileira alça os preços a patamares menos convidativos...

Hoje, o mais próximo que chega de uma definição ideal de versatilidade e baixo custo são as pick-ups derivadas de automóveis compactos, como a Ford Courier, muito apreciadas por unirem versatilidade tanto para aplicações comerciais quanto recreativas e custo de aquisição em alguns casos até inferior ao de um sedan de porte semelhante. Cabe observar que, numa época em que a estrutura monobloco é habitual, a carroceria aberta proporciona facilidade na montagem de implementos para atender de forma mais conveniente a usuários com perfis distintos que vão do surfista ao agente funerário...

No entanto, a proibição ao transporte de passageiros no compartimento de carga acaba representando um empecilho, associado à falta de opções como cabine dupla. Ainda que hajam adaptações feitas de forma independente, nesse segmento tal configuração vindo direto da fábrica é ainda uma exclusividade da Fiat Strada.

Enfim, considerando as mais diferentes características de mercado, é possível compreender a grande subjetividade envolvendo as definições a respeito do que é, realmente, um "carro popular"...

5 comentários:

Sebastião Lima disse...

O sonho do carro próprio ainda leva pessoas a fazerem alguns sacrifícios para ter coisa mais simples do que esses populares de hoje que ainda são caros. Olhe esse vídeo sobre um peão de fazenda no interior do estado da Paraíba que fez o próprio carro e usou até motor de moto que é mais simples.
http://youtu.be/CL_0TNFkqo0

Tita disse...

Olá!!
Vim agradecer a visita e a dica da banana fatiada!!! ;))
Abraço!!

Thiago Barbosa disse...

Minha opinião sobre os carros populares é que esse tipo de carro não existe. Popular é uma termologia dada a produtos de baixíssimo custo destinados a pessoas de baixa renda, se for parar pra pensar, carros usados seriam rebaixados a nível de popular, pois acredito que 30 mil em um automóvel não tem nada de popular.

Razão para vendagem dos populares é por serem mais econômicos, manutenção simples e desempenho próximo de motores 1.4 ou 1.6, o que tornam ainda mais caros, além de impostos abusivos do governo.

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Carro popular já teve o preço estabelecido em USD$7000.00 logo quando o Fiat Uno Mille foi lançado, e ainda era caro considerando que o salário mínimo estava atrelado ao valor de 100 dólares no início do Plano Real, e ainda equivalia a 70 salários mínimos. E esse desempenho próximo aos 1.4 ou 1.6 mediante deslocamento da faixa de rotação do motor para cima e encurtamento excessivo do diferencial para ter uma arrancada decente acaba prejudicando a durabilidade a longo prazo e até prejudica o consumo em trânsito rodoviário. Não é à toa que cada vez mais tem acidente com moto, já que esse acaba sendo o verdadeiro veículo popular e muitos condutores inexperientes abusam da sorte.

Patrick disse...

Carro popular é ilusão para enganar trouxa, um carro novo mesmo mais basicão custa os olhos da cara, daí tem que gastar mais ainda para ter algum conforto e até segurança. Depois tem carro velho que o rico não quer mais e o pobre não dá conta de manter, e começa aquele monte de gambiarra que fica até perigoso mas o que importa é tirar onda de carrão. Bom era o fusca, e o Gol G4 ainda quebrava bem o galho, mas depois a coisa desandou com os carros novos.

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