segunda-feira, 25 de junho de 2012

Carburador: ainda pode proporcionar bons resultados

Um elemento bastante simples e funcional, que apesar de não proporcionar toda a rapidez de ajustes (alguns instantâneos) hoje possível com a injeção eletrônica, mas que ainda agrada por não demandar recursos tão sofisticados para manter e eventualmente reparar, pode-se dizer que o carburador ainda tem méritos...
O custo ainda é um fator extremamente relevante: não é raro um carburador custar entre 5 a 10 vezes menos que um sistema de injeção eletrônica completo. Em algumas aplicações mais específicas, como no automobilismo amador, esporte que não recebe tanto apoio quanto o futebol, além do investimento inicial menor pesa muito a arte de um ajuste e integração mais precisos entre outros elementos mecânicos sem recorrer tanto aos modernos "milagres" da eletrônica...

Persistem alguns estereótipos associando o carburador como elemento de um passado que os ecologistas-melancia insistem em menosprezar, reputando arbitrariamente tecnologias automotivas mais primitivas como "anti-ecológicas". Apesar de tudo, modelos como o Hillman Avenger, oferecido no mercado brasileiro como Dodge 1800, ou Dodge Polara, chegou a ser oferecido com um carburador Hitachi japonês baseado no carburador SU (Skinner Union) britânico, que compensava automaticamente a proporção da mistura ar/combustível como numa injeção eletrônica moderna sem trazer toda a complexidade eletrônica desse sistema. E por mais que demande uma mecânica de precisão para ter os ajustes bem calibrados, a detecção de falhas num dispositivo totalmente mecânico acaba por ser mais simples e objetiva.
No entanto, ainda que seja mais difícil enquadrar um veículo mais antigo em normas de emissões mais rigorosas, é necessário reconhecer que a injeção eletrônica não foi o único fator decisivo para o estabelecimento de menores índices de poluição: os catalisadores desempenham uma função essencial nesse aspecto, por exemplo.
Vale destacar, ainda, a questão da reciclabilidade de componentes tão alardeada em automóveis mais recentes: é muito mais fácil separar e destinar para reprocessamento os componentes de um ou mais carburadores que todo o hardware de um sistema de injeção eletrônica, que também acaba por conter uma variedade maior de elementos a receberem um descarte específico, sobretudo os módulos de controle com as placas de matriz plástica impregnadas dos mais diversos metais e semicondutores...

Muitos apontam a questão do consumo de combustível como um demérito aos carburadores de um modo geral, ainda que em algumas situações um modelo de proposta semelhante e com uma concepção mais rústica ainda os use e mesmo assim apresente melhores resultados nesse aspecto...

O desempenho é um fator mais polêmico: muitos ainda apreciam a resposta direta do carburador, mesmo que a injeção eletrônica tenha seguido uma longa evolução que permite atender a essa demanda, tanto no exterior quanto no mercado local, onde coube à Volkswagen através do Gol GTi inaugurar o sistema...
No entanto, nada impede um carburador de proporcionar um bom desempenho, sem comprometer tanto outros aspectos quanto possa-se supor...

domingo, 17 de junho de 2012

Gurgel e o carro popular: um projeto ainda atual

Um dos episódios mais notáveis da história automobilística brasileira nos últimos 25 anos foi o carro popular da extinta Gurgel Motores, que em 7 de setembro de 1987 foi apresentado oficialmente durante as tradicionais celebrações do Dia da Independência na capital federal, mas após algumas discretas melhorias (acompanhadas pela mudança do nome do modelo para Gurgel Supermini) saiu de cena em 1995 com a falência da empresa. Apesar de toda a evolução tecnológica nesse meio tempo, observando características do Gurgel BR-800 SL percebe-se que o projeto ainda atende bem a necessidades atuais de uma parte considerável do mercado automobilístico brasileiro e até mundial.
Com toda a recente empolgação quanto a questões ecológicas, merece destaque o consumo de combustível chegando aos 20km/l (e de acordo com alguns usuários alcançando 25km/l, marca dificilmente atingida mesmo pela atual geração de automóveis híbridos) com a gasolina de baixa qualidade disponível localmente e as limitações técnicas de um "carro velho". O chassi space-frame, agregando alta rigidez torcional a um peso de apenas 42kg, e a carroceria em plástico reforçado com fibra de vidro, além de proporcionar uma boa redução de peso demandavam menos matérias-primas, diminuindo o esgotamento de reservas minerais. Vale lembrar que a fibra de vidro é mais fácil de trabalhar em escalas de produção mais limitadas, mas poderia ser facilmente substituída por painéis de plástico injetado que poderiam ser feitos até mesmo com garrafas PET recicladas.

Claramente inspirado no Citroën 2CV, o motor Gurgel Enertron usado no BR-800 tinha 2 cilindros horizontais opostos (disposição conhecida como boxer), ainda que a refrigeração a ar acabasse por ser descartada. Ainda assim, em comparação com concorrentes de 3 cilindros na mesma faixa dos 800cc ou os 1.0L de 4 cilindros presentes na atual geração de carros populares brasileiros, o layout do motor também diminuía a quantidade de material requerida e simplificava os processos produtivos.

Outra característica extremamente favorável é a tração traseira, ainda considerada por muitos a melhor solução para enfrentar a pavimentação precária (ou mesmo inexistente) em periferias e zonas rurais. O eixo motriz rígido também revela-se adequado, devido à maior robustez em comparação com juntas homocinéticas que podem ser danificadas facilmente até em alguns buracos no asfalto. Em locais altamente urbanizados a tração traseira também apresenta vantagens, visto que a ausência de semi-árvores de transmissão junto ao eixo dianteiro permite ampliar os ângulos de esterçamento da direção, melhorando a manobrabilidade em espaços confinados, como as garagens de muitos edifícios residenciais.

O tamanho compacto, como no japonês Daihatsu Mira, que até teve sucesso durante os anos 90 com a reabertura das importações, também é bastante apreciado no caótico trânsito urbano pela boa manobrabilidade e facilidade em estacionar mesmo em vagas mais apertadas...

Outro modelo de proposta semelhante é o chinês Chery QQ, atualmente presente no mercado brasileiro. Ainda que siga um layout mais próximo do que se tornou padrão nos veículos de fabricação nacional, com estrutura monobloco em aço estampado, tração dianteira e um motor de 4 cilindros em linha com refrigeração líquida, mostra duas características que teriam mais destaque caso o projeto do carro popular da Gurgel viesse a receber atualizações para atender ao consumidor contemporâneo: aquela rejeição a carros de 4 portas ainda forte em segmentos de base e que perdurou até a 2ª metade da década de 90 hoje é uma sombra do passado, e o câmbio de apenas 4 marchas hoje é visto como um símbolo de atraso tecnológico, além de dificultar o escalonamento para aproveitar melhor o potencial do pequeno motor de 2 cilindros, 800cc e modestos 32cv. Além de beneficiar o desempenho mesmo que o diferencial tivesse a relação ligeiramente encurtada para se obter uma aceleração mais rápida e melhor capacidade de aclive, uma 5ª marcha possibilita uma boa redução no consumo de combustível em tráfego rodoviário.

Um ponto bastante polêmico é o design pouco atrativo, ainda que esse seja um aspecto muito subjetivo. No atual cenário brasileiro, o Renault Logam com linhas retas e vidros planos acaba seguindo a filosofia de baixo custo que norteou o Gurgel BR-800. Outra característica de estilo, a carroceria monovolume, proporciona uma maior racionalização da plataforma de carga a exemplo de modelos de classe mundial como o Renault Twingo e o Honda Fit.

Na prática, mesmo sem um maior aprofundamento em questões de ordem econômica e social que tornam a popularização do automóvel 0km um sonho ainda distante para muitos consumidores brasileiros, pode-se concluir que o carro popular da Gurgel ainda é uma boa referência para projetos mais modernos...

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Uma reflexão sobre os carros "populares"

Já fazem mais de 100 anos que o automóvel começou a deixar de ser considerado uma excentricidade para tornar-se um sonho acessível à classe média e até mesmo a camadas menos privilegiadas da população, tendo como um dos exemplos mais icônicos o Ford Modelo T, também conhecido como "Ford Bigode" devido às alavancas posicionadas atrás do volante para controle do acelerador e do avanço da ignição.
No entanto, alguns aspectos técnicos às vezes levam a divergências de opiniões sobre o que é um verdadeiro "carro popular". Até mesmo no Ford T, um dos pioneiros no conceito de "carro mundial", um ponto a ser destacado é a disposição dos comandos fora do que hoje é considerado habitual: além do avanço de ignição acionado pela alavanca à esquerda atrás do volante e do acelerador à direita, com a alavanca do freio de estacionamento também atuando como controle de embreagem, o câmbio era controlado por pedais: o esquerdo acionava as duas marchas à frente, e o central controlava a ré. E ao contrário dos veículos mais recentes, o pedal direito aciona os freios de serviço. Hoje não há mais a necessidade do controle manual de avanço da ignição, que se fazia essencial no Modelo T para preservar a segurança durante a partida evitando o retorno brusco da manivela que poderia provocar lesões, os câmbios com maior quantidade de marchas são mais facilmente controláveis por uma alavanca única, com outra para o freio de estacionamento, e a disposição dos pedais vem trazendo embreagem à esquerda, freio de serviço ao centro e acelerador à direita.

Após a II Guerra Mundial, coube aos fabricantes franceses como a Renault algum destaque nas melhores definições sobre o carro popular moderno. Já incorporando a tração dianteira, para uma dirigibilidade mais dócil e favorável a condutores um tanto inexperientes quando a intervenção da eletrônica para amansar a tração traseira não passava de um devaneio de ficção científica, modelos como o Renault 6 tiveram um sucesso expressivo devido às características construtivas simples sem sacrificar o rodar confortável. É digno de nota o sistema de suspensão independente do modelo, em que os semi-eixos traseiros adotavam uma disposição assimétrica, fazendo com que a distância entre-eixos do lado direito ficasse mais longa. A pouco usual solução repetiu-se na 2ª geração do Renault Clio...

A nível global, o Toyota Corolla é o atual líder de vendas, já tendo superado a barreira de 36 milhões de unidades desde o lançamento da 1ª geração em 1966. Pesa favoravelmente ao modelo, hoje, a adaptabilidade da plataforma a diferentes conjuntos mecânicos e pacotes de equipamento, visando atender às exigências dos consumidores ou da legislação nos mais diferentes países. Porém, o modelo tem uma aura de prestígio e faixas de preço que o afastam de segmentos mais básicos no mercado brasileiro...

Sedãs compactos vem sendo a preferência absoluta dos mercados emergentes, como o Honda City, que compartilha a plataforma com o Honda Fit e atualmente um dos modelos de maior êxito no sudeste asiático. Apesar do trânsito caótico em grandes metrópoles como Manila (Filipinas) e Bangkok (Tailândia), não é difícil que um único automóvel tenha que atender às necessidades da família inteira e, por isso, tanto o espaço interno farto quanto um avantajado compartimento de bagagens são extremamente desejáveis. A mesma característica também pode ser observada no mercado brasileiro...
Outro modelo que vem recebendo destaque é o Nissan Versa, também dotado de ampla capacidade volumétrica e, ao contrário do concorrente da Honda, está disponível até mesmo no exigente e desenvolvido mercado americano. Ironicamente, apesar do design menos rústico é oferecido a um custo inferior ao do antecessor, o Nissan Tiida (que por lá também é conhecido como Versa), com o qual compartilha a plataforma.

No mercado brasileiro, vem sendo comum atribuir a popularização do automóvel, alavancada também pelo crédito facilitado, a modelos com o motor limitado a 1000cm³ de cilindrada, devido à carga tributária menos pesada sobre os mesmos. Em alguns casos, como o do Dacia Logan, comercializado na América do Sul como Renault Logan, o motor 1.0L é exclusividade brasileira e sequer estava previsto no projeto original. Vale destacar que, por ter 16 válvulas (4 por cilindro), acaba por ser mais complexo de manufaturar que o motor 1.4 de 8 válvulas (duas por cilindro) usado em versões básicas do similar europeu, ou mesmo o 1.6 também de 8 válvulas, em função da maior quantidade de peças móveis. Embora o modelo preserve a versatilidade para atender diferentes demandas no transporte não-especializado, é contraditória a limitação de cilindrada sobrepondo-se à racionalização da plataforma de carga e à manutenção relativamente simples. Muitas vezes, devido à necessidade de manter regimes de rotação mais elevados para ter um bom desempenho, a economia de combustível acaba sendo prejudicada. Assim, não é de se estranhar que alguns consumidores ainda prefiram veículos antigos com motor mais vigoroso a um "popular" zero-quilômetro...

Também digno de nota é o Nissan March: em outros países, não há mais motor 1.0, mas  o modelo importado do México tem versões equipadas com o motor Renault compartilhado com o Logan direcionadas exclusivamente para o mercado brasileiro. Enquanto isso, consumidores europeus podem contar com um interessante motor 1.2L de 3 cilindros e injeção direta. É interessante notar que o hardware para a injeção direta não é muito mais complexo que uma injeção eletrônica multiponto convencional...

Convém lembrar que, entre 1993 e 1996, a tributação diferenciada que beneficia os 1.0L foi estendida a modelos como o Fusca e a Kombi, apesar de contarem com motor 1.6L à época. Além da disponibilidade de torque menos limitada a rotações mais baixas, a manutenção simplificada proporcionada por elementos como a refrigeração a ar e a aptidão para transpor rotas onde só passava jipe faziam com que permanecesse uma boa opção...

Muitas vezes, ainda há a necessidade de percorrer tanto caminhos mais inóspitos quanto ruas e estradas com pavimentação em boas condições, e modelos antigos como o Citroën 2CV (cuja cilindrada em torno de 600cm³, significativamente inferior aos 1.0L, na prática não constitui um problema, em função do projeto bem-resolvido com peso contido e relações de marcha corretamente escalonadas) atendiam bem a essa proposta, enquanto atualmente nos modelos de entrada a circulação em malhas viárias de melhor qualidade é a prioridade absoluta. Por tal razão, a maioria dos projetos recentes precisa sofrer alterações para atender às necessidades de mercados menos desenvolvidos como o brasileiro, principalmente a nível de suspensão e pneus para aumentar o vão livre e gerar menos dificuldade no enfrentamento de irregularidades na pavimentação ou a ausência da mesma, e obstáculos urbanos como os infames quebra-molas...

Outro aspecto relevante é o tamanho dos veículos: ainda que eu seja contra restrições arbitrárias, não deixa de ser interessante observar modelos como o Daihatsu Mira de fabricação japonesa (que chegou a ser comercializado no mercado brasileiro como Daihatsu Cuore): com comprimento restrito a 3,4m e largura em torno de 1,45m, a manobrabilidade em ambiente urbano é beneficiada. Ironicamente, o espaço interno tem um arranjo melhor que muitos modelos com dimensões menos restritas como o Fiat 500...

Projetos específicos para as necessidades de países periféricos, diferentemente das "tropicalizações" de plataformas mais complexas, hoje não recebem tanta atenção dos grandes fabricantes, enquanto na década de 70 surgiram alguns modelos como o BTV (veículo de transporte básico, do inglês Basic Transportation Vehicle) desenvolvido pela Bedford (uma extinta divisão de veículos comerciais da General Motors com presença mais forte na Inglaterra e na Austrália) e conhecido no Paraguai como GM Mitaí, nas Filipinas como GM Harabas e em Portugal como Opel Amigo (por ser montado na fábrica da Opel em Azambuja, atualmente desativada), além de usar a marca Bedford em outros mercados como o equatoriano.

Uma iniciativa brasileira digna de louvor, embora não tenha alcançado o sucesso merecido, foi o carro popular da extinta Gurgel Motores, no qual as condições brasileiras de fins dos anos 80 serviram como pano de fundo para o desenvolvimento de um projeto ainda bastante atual mesmo passados quase 25 anos da primeira apresentação oficial do modelo em 7 de setembro de 1987. Apesar da carroceria com apenas duas portas, que não atenderia mais tão bem a um mercado no qual já não há mais tanta aversão a modelos de 4 portas (anteriormente associados ao uso como táxi ou outros veículos de serviço, salvo exceções em segmentos com maior valor agregado), o Gurgel BR-800 SL apresentava-se adequado às necessidades do consumidor urbano sem ignorar a versatilidade para atender com segurança à operação em subúrbios e zonas rurais com malha viária mais precária. Hoje, o mais próximo que se pode chegar desse conceito são alguns modelos convencionais levemente modificados para um aspecto mais orientado ao off-road recreacional leve, como na linha Adventure da Fiat. Porém, a obscena carga tributária brasileira alça os preços a patamares menos convidativos...

Hoje, o mais próximo que chega de uma definição ideal de versatilidade e baixo custo são as pick-ups derivadas de automóveis compactos, como a Ford Courier, muito apreciadas por unirem versatilidade tanto para aplicações comerciais quanto recreativas e custo de aquisição em alguns casos até inferior ao de um sedan de porte semelhante. Cabe observar que, numa época em que a estrutura monobloco é habitual, a carroceria aberta proporciona facilidade na montagem de implementos para atender de forma mais conveniente a usuários com perfis distintos que vão do surfista ao agente funerário...

No entanto, a proibição ao transporte de passageiros no compartimento de carga acaba representando um empecilho, associado à falta de opções como cabine dupla. Ainda que hajam adaptações feitas de forma independente, nesse segmento tal configuração vindo direto da fábrica é ainda uma exclusividade da Fiat Strada.

Enfim, considerando as mais diferentes características de mercado, é possível compreender a grande subjetividade envolvendo as definições a respeito do que é, realmente, um "carro popular"...